A fruteira do Serjão

O Serjão… É o Serjão! Tentando ser um “moço humano, antes que muçulmano”, um cara que tem tentado, mesmo, tem um tempão, deliciosamente aos berros, sem camisa, na frente de todo mundo. Mas eu não vou descrever o Serjão sob o risco de rasgar seda demais e parecer muito sincera… É um sujeito sensível ele! E pode me mandar à puta que o pariu…

Mas ele sabe um monte de coisas! Umas que ele leu, outras escreveu, outras inventou ou viveu ou se lembra delas, sem tê-las vivido, coisas que não lhe servem pra grande coisa mas pra mim… Ah, eu adoro! Eu me delicio! Eu vou dando corda, provoco a fúria dele pra me deliciar naquele humor horrível! Que delicia, que livre o mau humor dele! Chega a ser suspeito! Só mesmo um cara muito alto astral poderia carregar com tamanha propriedade, tudo aquilo de certeza que estamos fodidos.

Eu não falo dos meus problemas com o Serjão! Eu levo comigo o que tiver comigo, a diabrada toda, sem filtro e ele é tão generoso… não… não é essa a palavra. É uma palavra que não tem, um adjetivo pras raríssimas pessoas que não dizem “Você tem que ser feliz!” e essa coisa sem nome me eleva a um estado de felicidade que eu só experimento assim, por pura rebeldia. Daí, a minha solidão vai queimando como um insenso, um insenso lá na outra sala e acaba.

Dia desses eu pensei em mudar de espécie! Essa me pareceu uma ideia brilhante quando parecia autêntica, minha. Mas não é! Eu contei pro Serjão, enquanto ele procurava a cerveja na geladeira com a luz apagada: Eu tive uma ideia que já passou! Mas eu tive! Eu pensei em virar uma planta! Eu estava doente e não conseguia comer e tomei líquido! Tudo líquido! – “Onde tá essa porra?” diz o Serjão, saido da geladeira pra acender a luz – Tudo que me mandaram tomar: água de coco, sucos, água… E, então, todas as pessoas e principalmente as que querem que eu seja feliz começaram a dizer que eu tinha que comer, tinha que comer! Pra ficar viva, saudável e, principalmente, feliz! Daí, a médica – recém eleita “minha médica”- me disse “Não! Não precisa comer! Não tem fome, não come!” e aquilo me deu um estalo! ‘não precisa comer’… ‘não come’. Não como! Não como nunca mais! Só líquido! Daí, eu vou virar uma planta! Migro de espécie! Espécie de merda a nossa – “Puta que pariu!”, disse o Serjão, sobre o negócio que tropeçou na geladeira – Daí, habibi, ninguém, nunca mais, vai me pedir um caralho! Nem me encher o saco, nem querer que eu me foda! E ele, vindo com a cerveja na mão, aquele andar arrastado dele, sem me olhar com cara nenhuma, diz “Mas, aí você está partindo da premissa de que as pessoas notariam! Isso é querer demais!” e eu comi tudo que ele botou na mesa: um leguminho árabe que não me lembro o nome, queijo, rabanetes e pão!

Ouvimos música clássica, ele tocou piano enquanto eu fazia xixi, cagamos de rir de coisas bem bestas, esculhambamos pessoas, certezas, mentiras boas, verdades de merda, vimos o jogo, o Corinthians ganhou (O jogo e o Campeonato, por que não dizê-lo?), o Serjão gritou “Vai, Curintia!” e eu vim embora, toda despedaçada, tudo de verdade, tudo pra fora… Tudo que eu tenho que enfiar no meio de algum Atlas aqui de casa, pra poder ir ao banco, ao médico, ao trabalho, à merda…

Eu fiquei doente, muito doente e desejei, quase que de verdade, abandonar a minha própria espécie devido a um estado, que parecia irreversível, de exaustão com pessoas cu. Não tenho o adjetivo adequado também e não vou descrever por pura preguiça. Pessoas cu me dão vontade de virar uma Samambaia qualquer e, dessa vez, cheguei bem perto. Mas, na cozinha do Serjão, enquanto ele explicava uma coisa qualquer, que foi engolida por ele, com aquele vozeirão de Deus Hollywoodiano, me convencendo, sem querer, de sei lá o que que uma hora eu vou lembrar e vai ser foda, eu olhei pra fruteira do Serjão e elas estavam todas lá! As pessoas cu, em forma de bananinhas inofensivas… Estavam todas lá, passivas, bonitinhas, de ladinho, as bananinhas! Chego até a gostar um pouquinho delas!

A Primavera dos Cornos

Todas as vezes na minha vida (sem uma única exceção que “comprovasse a regra”!) que eu vi um homem (ou mais!) berrando “Putaaaaaaaaaaaaaaaa!”,  “Vaaaaaaacaaaaaaaaaaaaaa!”, Va-Ga-Buuuuuuuuuuun-daaaaaaaaaaa” etc, era corno. Todas! Ou corno-corno (corneado, de fato) ou “pré corno” (que olha uma mulher deliciosa que o despreza, da qual ele não “daria conta”) ou, ainda, o “co-corno” (que é o amiguinho do corno original, o que sente a traição feita ao outro, o que tem inveja da cornidão do outro, o que filma a mulher do outro entrando no Motel com um outro Outro). Coisa de Corno!

Daí, eu, de repente, entendi a porratoda! Por exemplo: Não tem um milhão de pessoas com embasamento/conhecimento político e histórico, de ficha limpa (que nunca passou uma nota fiscal falsa, somou recibos de serviços “não prestados” por seus camaradas prestadores de serviço pra Declarar o IR, que nunca utilizou de Carteira de Estudante Falsa pra pagar meia, que nunca molhou a mão de um guarda ou de um garçom pra furar a fila no bar, etc etc etc), com moral pra ir às ruas de verde e amarelo, acompanhando o pato de borracha, lutar por uma “Sociedade Democrática de Direito” que fosse perfeita como um dia foi (até porque, no caso, não, nunca foi!), agora, um milhão de cornos em São Paulo tem sim! Ah, se tem!

Eu tenho amigos de tudo quanto é jeito! Tenho amigo corno, tenho amigos com “traços preconceituosos” (racismo, xenofobia, machismo, islamofobia, “nordestinofobia”, etc) e tenho, ainda, amigos que “pegaram cana” ou conseguiram escapar no último minuto “Graças ao fato do Brasil ser um país corrupto” (têm dinheiro, contatos, molharam as mãos certas e escaparam). Dentre as acusações (estou falando, apenas, das verdadeiras!) tem Agressão, Formação de Quadrilha, Desvio de Dinheiro para o Exterior, Venda de moedas falsas e, claro, Estelionato.

Todos estes meus amigos, os preconceituosos, criminosos e, claro, cornos, estavam lá (todos, de novo, sem UMA ÚNICA EXCEÇÃO!) estiveram lá, lutando ao lado do Pato de Borracha…

Estou falando, apenas, dos que eu conheço, ok? Por favor, os cornos e estelionatários que não conheço, não precisam vestir a carapuça!

Eu acho o uso da palavra “Corno” como ofensa, bem inadequado! A cornidão é uma coisa do homem… Tem muitas coisas de homem, a cornidão é parte da formação do caráter da maioria deles, os torna, às vezes, criaturas amáveis, risíveis ou, ainda, violentas, mas não é uma falha de caráter, é, somente, uma condição. O cara é corno, ué… Não é culpa de ninguém, exceto daquela puuuuuuuuuuuutaaaaaaaaaaaaa que o corneou.

A Imparcialidade é, somente, uma máscara que serve para dissimular duas coisas: preguiça ou covardia. A preguiça, confesso, a esta, nem sempre resisto e, às vezes, maquio minha preguiça de imparcialidade e digo bordões bons de encerrar conversa como “é… entendo seu lado, bla bla bla” mas, covarde, não, nunca fui e nunca serei!

Com relação aos atuais “acontecimentos políticos no Brasil” falei muito pouco publicamente, por pura preguiça e por ver pouquíssimas conversas que não fossem no tom “Corinthians X Palmeiras”. Falei pouco, entre os meus que, de alguma forma, disseram alguma coisa que valesse uma boa discussão, de ambos os lados…

Não tive tempo de “escolher um lado”! Meu lado “escolheu-se espontaneamente” e não foi porque “meus amigos são Coxinhas/Petralhas” ou, ainda, “meus inimigos são Coxinhas/Petralhas”, foi um outro critério, muito mais intuitivo, a partir da minha experiência pessoal, com pessoas de quem eu gosto (e continuo gostando, com chifres ou armas de fogo dentro de casa!).

Tem três características em mim que me fizeram “acumular segredos obscuros”: 1) Eu bebo bem! Cai todo mundo e eu continuo de pé!, 2) Sou uma pessoa difícil de chocar e/ou julgar as pessoas por seu comportamento e 3) Sei guardar segredos. Então, comigo em particular, todo mundo sai do armário e foi muito fácil “despencar à extrema Esquerda”, conhecendo o lado podre (falso, maquiavélico, interesseiro, mentiroso, que todos temos em doses distintas, de pessoa pra pessoa) de quem eu gosto… Fui vendo as fotos dos caras (e “minas”) ao lado do Poderoso Pato e, hora arregalando os olhos, ora dando gargalhadas, percebi que tudo foi ficando meio óbvio…

Passado esse primeiro momento, comecei a ver meus “Piores inimigos”: Os saudosos da Ditadura Militar (desses, tenho medo!), os nazistas (desses, tenho pena, já que ser nazista e brasileiro, na opinião de um “nazista de verdade” é uma piada pronta), os violentos, os “Preconceituosos assumidos e com orgulho”, estes, também, todos lá, ao lado do Pato, daí, não restou nenhuma dúvida!

Entendi, ainda, uma outra coisa: Os Seguidores do Pato (porque não quero generalizar, entende? “Cornos de Verde e amarelo” pega mal, “Coxinha” acho batido… Acho “Seguidores do Pato” fofo!) também absorveram dois grupos bizarros de pessoas: As que não são convidadas para NADA, as que mandam mensagem pra 150 pessoas na véspera do Carnaval e 90 ignoram, 30 dão desculpas e os outros 30 dizem que “não tem espaço no carro”. Esses caras, finalmente, conseguiram fazer parte de “Alguma coisa”! Tem também o “paga-pau-de-patrão”, aquele que conseguiu um tapinha nas costas do Patrão quando chamou a Presidente do Brasil de “Vacaaaaaaaaaaaaaaa!” no meio da fábrica, pela primeira vez! Agora, os “Patetes” (ficou bom! “patetes”!) perderam a baladinha… Estão putos da cara, de panelas na mão (ou “aquilo” foi uma comemoração? Não pareceu, não! Os caras celebraram sua vitória berrando palavrões???).

É um país de Cornos… Tudo tem a ver com isso, começa nisso, acaba nisso… Abandono, medo, solidão, traição… “Alguém está no meu lugar!”  (e entre os cornos, têm os “Co-cornos do Aécio”! Chega a ser bonitinho!) porque esse ódio, esse grito de “Va-Ga-Buuuuuuuuuuun-Daaaaaaaaaaa!” só pode ter nascido de um amor que acabou e, como esses Patetes jamais “amaram a Dilma” (de um amor de verdade, que “justifique” – entre aspas! – esse ódio), esse brado passional é um “Desabafo” é um berro, direcionado às mulheres que saíram de sua vida e, quem sabe (Freud explica!) à sua adorável mamãezinha porque, um dia, ela lhe negou o peito.

Imparcialidade ou covardia?

“Neutro é o que já se decidiu pelo mais forte” (Max Weber)

Se um homem espanca uma mulher ou uma mulher a um cão ou um cão a um gato, “não se meter” significa participar da prática, ser “comparsa” (ou “comadre”?) do homem, da mulher e do cão, na ordem acima, claro…

Há, sempre houve e sempre haverá, sim, o bem e o mal, o certo e o errado e estas coisas não são paralelas, o bem e o certo estão acima, muito acima do mal e do errado. A gente sempre sabe, ainda que ninguém mais no mundo saiba, ainda que a gente finja com muita sinceridade que não sabe, a gente sempre sabe, lá no íntimo, na chama do bem que há em nós que, sim, acabamos de fazer uma merda e/ou cometer uma injustiça…

Passei quase 40 anos da minha vida me envaidecendo (será que foi aí que me dei mal?) do fato de não ter “indisponibilidades”, pessoas que não tolero ou que me fazem mudar de calçada, passei esses anos sendo “quase imparcial” em muitas encrencas, achando que estava sendo justa, que estava cooperando para um “bem estar social”, me julgando capaz de “amenizar as coisas com o meu infinito amor pelas pessoas bla bla bla” na minha família, entre meus amigos e, no meu trabalho (até porque, na minha vida, estas pessoas se cruzam, se misturam)…

Eis que nos últimos anos, as coisas foram se complicando, complicando e, hoje, a lista de meus desafetos beira umas dez pessoas, uma coisa que achei que jamais aconteceria na minha vida, coisa que acreditei estar em minhas mãos e, com a qual, saberia, sempre lidar. É aí, sempre aí, no excesso de orgulho e na falta de atenção, que caímos em armadilhas vulgares…

Quando você caminha ao lado de pessoas às quais você assiste, pessoalmente, travar guerras inúteis contra outras pessoas deve, simplesmente, se afastar delas e ser, sim, parcial! Olhar as coisas, enxergar o bem e o mal, o certo e o errado, saber a distinção entre eles e escolher o lado certo. Sempre há um. Se uma história tem duas versões é porque uma é verdadeira e a outra falsa… Daí, você junta a verosimilhança, lógica e (por que não?) a sua intuição e “aparta-te”!

O ódio gratuito é idêntico ao preconceito… É burro, ilógico e, nessa falta de lógica, um dia pode voltar-se contra você! As pessoas dão sinais o tempo todo… Mas, muitas vezes, o amor da gente (com uma boa dose de prepotência, do tipo “comigo não!”) maquiam as coisas a nosso favor, como os defeitos que o apaixonado não percebe em seu objeto de desejo.

A maldade das pessoas não atinge a ninguém mais do que a própria pessoa má. A maldade, a maldade legítima, profunda, é um tormento, uma doença, um abcesso, que a pessoa que a possui, às vezes, nem percebe. As pessoas más são dignas de pena, prece e esquecimento. Se possível, com muito tempo e nobreza, quem sabe, do nosso perdão. São pobres diabos atormentados, você foi “a pessoa que passou e cruzou a maldade dela”, não chega nem a ser pessoal… Sinto mais pena do que raiva dos maus…

E vou citar mais um cara: “O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons.” (Martin Luther King).

Não chego aos pés do Martin… o cara é “King”, não alcanço toda essa nobreza e bondade, não enxergo, quase nunca, a “bondade dos que se silenciam”… Estes, sim, eu detesto! Os roedores de corda, os “leva-e-traz”, os vira-casaca. Daí, eu preciso da Clarice (porque ela já disse do melhor jeito, melhor não tentar de outro): “se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão” (Clarice Lispector).

Na minha idade (pois é… já tenho idade pra começar parágrafos com “na minha idade”…) já vi muitas coisas sendo plantadas e, posteriormente, colhidas e enxergo (com o coração tranquilo) que há, sim, uma justiça, independente de mim e de minhas ações… É uma expressão repetida, quase vulgar, mas a tal da “Lei do Retorno” é cumprida à risco, Graças a Deus! É só esperar pra ver!

Eu adoraria dizer o contrário, mas o compromisso que tenho com a verdade é maior do que meu desejo de contar uma mentirinha… Não, eu não desejo o bem para toda a Humanidade, não… Tem uma turminha aí que eu aguardo, sim (sem orgulho nenhum, apenas admito, confesso) que eu vou ver cair, se estabacar no chão e não terei pena alguma. Vida longa e morte lenta a todos os roedores de corda do Mundo! Que venha a conta e que venha bem alta e eu adoraria dizer o que todo mundo diz “Não desejo mal a ninguém” mas, não é uma questão do “meu desejo” (ah, se fosse! ah, se meus desejos, simplesmente se realizassem ao escrevê-los!). Não, não é um desejo, é uma certeza que a experiência me trouxe: “Aqui se planta, aqui se colhe!”. Eu estava lá vendo o “plantio”, muitas vezes, sendo a vitima dele e espero viver bastante para assistir de camarote a colheita e, nessa colheita, a decadência de todas os bunda-moles que se dizem “imparciais” e cooperam para que os maus continuem espalhando sua maldade!

 

Saudade de nada

Quando eu, finalmente, fui concebida, a quinta, de um casal que aguardava, ansiosamente, uma menina, foi uma coisa que “já não era sem tempo!”. Já andava pegando mal para os meus pais que essa tal menina que eles tanto prometeram, não vinha. Quatro meninos nasceram antes de mim. Três deles estão por aí, vivos e muito vivos e um deles, achando tudo aqui meio sem graça (não tiro a razão do pequeno Luíz!) foi-se (ou voltou?) assim que apareceu por aqui.

Com a nossa reputação de família parideira competente, era fundamental que essa menina chegasse, então, rezaram, rezamos, eu de lá, eles de cá e Deus, em sua infinita misericórdia, apressou as coisas para que eu viesse, para alívio e júbilo dos meus pais, A Cegonha deu uma passada de olhos e falou “Fui!”. Mas, sabe como são as coisas feitas às pressas…

Vim ao mundo faltando alguns pedaços. Não tenho quase nenhuma das “mulherices” recorrentes, por exemplo. Não acho a maternidade o centro da vida de toda mulher, acho ótimo o fato do meu marido ter alguém com quem ir no boteco de vez em quando, pra falar das suas coisas que, definitivamente, não me interessam, o mesmo vale para pornografia… Acho interessante saber o que o Milton Neves falou sobre o jogo do Vasco com o América e fora das mulherices/esposices, se um amigo meu chega vestido de mulher (como já aconteceu!) elogio a bolsa e só… Sou meio “amoral”. Não vejo graça na maioria das coisas “importantes pros outros” (casamentos, formaturas, saídas do armário) e vejo graça em outras, que ninguém vê. Me sobra tolerância pra coisas “Intoleráveis” e suporto outras que são “indigestas” e me irrito com coisas que são “tão naturais”. Tudo meio na contra-mão…

Não acredito que essas coisas sejam boas ou más para mim ou para os outros. Não dou muita falta das peças que não tenho, mas tem uma peça que me falta que gera um certo espanto e polêmica, quando revelada: Não tenho saudade de porra nenhuma…

Penso em coisas e pessoas que passaram pela minha vida e nas coisas boas que elas trouxeram… Fico com uma cara de besta, sorrindo e penso no que fizemos juntas, no que elas me ensinaram, nas coisas que aprontamos juntas… Às vezes (muitas vezes!) penso nos meus mortos – que dá uma lista boa! – e no que vivemos e sinto orgulho, culpa, um ou outro arrependimento mas, acima de tudo, sinto-me privilegiada por ter passado por sua vida e, como crente que sou, sonho em um dia revê-los…

Agora, saudade, mesmo, saudosismo, aquela coisa de olhar pra trás e achar fodaparacai eu não acho… Sobre as pessoas (as vivas) que se foram, elas se foram. Ponto. As pessoas se vão… Você não serve, nem elas. Não serve como uma peça de roupa, mesmo, não no sentido de servir, de serviço… É linda mas… não serve! Não combina ou não cabe mais, ou ainda, não funciona com as que você usa hoje. Ou ainda, é você que não cabe mais no armário do outro. Ele redecorou o coração e você ficou meio fora. Enfim, não serve. O que serve, simplesmente, continua. Eu só preciso carregar aquilo que, realmente, preciso. Todo o resto, prefiro o novo, o que ainda não vi, o que me vai fazer mudar de idéia.

Detesto “Amigo Secreto”. Quanto mais “todo mundo da antiga vai tá lá”, menos eu gosto. Acho um saco isso… “Quando a gente tinha vinte anos bla bla bla”. Eu, particularmente, quando tinha vinte anos achava que sabia a porratoda e não sabia, sequer, que tinha vinte anos… Minha bunda e minha cabeça eram mais duras, sim e disso tenho, quase saudade… Não da bunda, mas da cabeça, daquela capacidade de me desapontar e surpreender com as coisas… Taí, uma coisa, pra se sentir saudade: “Não acredito!”. Ouvir coisas inacreditáveis e se surpreender com elas… E essa é, sim, uma coisa que o tempo leva. As coisas vão ficando bem repetitivas e previsíveis…

A saudade “sincera”, a saudade das mães que enterraram filhos, a saudade da perna amputada, a saudade trágica tem uma beleza, uma poesia, o “tempero” da melancolia, que torna as coisas necessárias de serem sentidas… Essa saudade eu sou capaz de aspirar, só essa e, ainda assim, com medo de certos portais…

A Saudade é usada, também, como um portal para um lugar, do qual, você pode declarar o seu fracasso e, por consequência, pedir ajuda. Um lugar de onde você pode ver o que sua vida poderia ter sido, a partir da projeção de um futuro que não aconteceu, graças a um conjunto enorme de merdas que você mesmo, porque assim decidiu, fez.

A saudade é um lugar onde aquele sujeito decadente do boteco do Cidão, alí da esquina, pode dizer que comeu a Luiza Brunet, em 1983. Com seu cotovelo esquerdo bem acomodado no balcão, cigarro nos dedos amarelados da mão direita, camisa velha entre-aberta, jeans ajustados e chinelo de dedo, conta em detalhes com “partiu Luiza no meio, 3 vezes seguidas no Carnaval de 1983”. Foi verdade? Então… teria que perguntar pra Luiza… Mas, a Luiza é uma mulher ocupada, chiquérrima, de agenda cheia…

Se a gente perguntasse pra Luiza, caso a história do Cidão fosse verídica, provavelmente, ela diria que foi uma rapidinha sem graça com o garçom… um mocinho meio besta, virjão… um sujeito que tava lá, bonitinho, já na quarta-feira de cinzas… Uma coisa que a Luiza nem comenta… Mas, a kombi lotada de fãs do Cidão, que não estava lá em 1983, continua lá, firme, a seu lado, afinal, o Cidão foi “o cara” em 1983 e tudo que existe, que realmente importa, em cada boteco de esquina dessa porra de cidade, um dia, tomou uma com o Cidão! O Cidão sempre estará por aí. É um mundo cheio de Cidões.

Acho que minha relação com a Saudade tem um toque de preconceito, como calças legging listradas e lágrimas fora de hora… Dependendo do tipo de gente que faz uso demasiado de uma coisa, a coisa, pra mim, simplesmente, não serve.

Acima disso (e aí vem um coisa muito assoberbada de se dizer!) me sinto 100% quites com os “que foram” vivos ou mortos! Os que, querendo ou não, tiveram o meu amor, o tiveram com uma verdade palpável, em ação, os que quiseram uma casquinha, tiraram sua casquinha, os que queriam uma grana, ganharam lá sua grana. Fingindo gostar de mim, fingi de volta, também, sempre quando pude, por pura misericórdia e quem tinha lenha pra queimar do meu lado está aí, sempre esteve e estará, ensinando e aprendendo, dando e tomando tranco, chorando e rindo junto… Demora um ano, mês, dia, mas esses voltam e eu volto pra eles, também.

Quanto ao Cidão? Paga uma pinga pra ele e deixa o Cidão falar… É só o que pode fazer, o coitado do Cidão…

 

Reflexões, descobertas e coisas que não são nada

Reflexões profundas nos levam a descobertas interessantes… Compartilhar estas descobertas é um modo de dividir o que sabemos com o mundo, é generoso, é um ato de bondade com o outro. Às vezes, um “toque” vem na hora e medida certa sem, sequer, percebermos de onde. Cada descoberta humana pode ou, até, deve ser compartilhada. Assim, nós, seres humanos, temos chance de aprender com os erros e acertos dos outros. Afinal, não teremos, mesmo, tempo de cometê-los, todos, pessoalmente.

A profundidade de uma reflexão e a importância de uma descoberta depende do referencial que cada um tem, a partir de seu conhecimento e sua experiência. Exemplo: Tampopo (minha gatinha) descobriu dia desses, que a janela da sala é “a mesma, tanto de fora, quanto de dentro de casa” e ficou histérica, querendo contar pra nós o que percebeu. Como Tampopo não tem perfil nas redes sociais, não gravou um vídeo emocionado, dizendo “Gatos… todo mundo me conhece e sabe que eu não sou de falar muita coisa, mas eu preciso dividir com vocês uma coisa que considero muito importante! As janelas têm dois lados: Um de fora e um de dentro e, mesmo assim, permanecem sendo as mesmas janelas!” (nesse ponto, Tampopo choraria de emoção!). Como ela é minha gatinha, eu achei fofo, achei lindo e celebrei com ela! Uma percepção dessas, vinda de um gato merece algum reconhecimento.

As coisas que não são nada são aquelas que interessam àqueles que amam a gente! Àqueles que amam com um amor de verdade, capaz de acolher-nos em nossos devaneios. Estas são as pessoas com as quais você comenta (sem filtro, sem pudor) qualquer bobagem que passa pela sua cabeça. Assim, somos acolhidos nas nossas bobagens, fantasias, coisas sem significado e que, em dois ou três dias, deixarão de existir. Riremos depois! Acolheremos depois! Ouviremos as bobagens do outro também. Isso se chama Intimidade e é uma coisa que é espontânea ou, simplesmente, não é.

Agora, a distinção entre estas duas coisas, tanto para quem diz, quanto para quem ouve (ou escreve/lê), é que faz toda a diferença!

“Não confunda Obra de Arte do Mestre Picasso com pica de aço do Mestre de obra” é uma maravilha da Língua Portuguesa! É uma coisa bem escrita, que junta duas idéias absolutamente distintas e ainda tem um ótimo senso de humor. Soa parecido “Obra de Arte do Mestre Picasso” e “pica de aço do Mestre de obra”, algumas palavras se repetem, mas as duas coisas têm sentido absolutamente distinto. Pode parecer incrível, mas tem muita gente que não consegue distinguir uma coisa da outra, ou confunde uma com a outra ou, ainda pior, inverte uma pela outra… Já disse isso antes, mas não custa repetir: Escrever, qualquer um escreve, ler é que é difícil. Quando digo “ler”, não falo de “decodificar combinações de letras” c+a+s+a=casa e sim compreender o que significa uma “casa” e, para tanto, a pessoa tem que ter visto uma! “Quem não sabe o que é uma casa?”. Qualquer criatura do mundo que jamais tenha visto uma ou que não domine a língua portuguesa, o que já é bastante gente!

Algumas palavras que se enfiam em qualquer contexto: Surreal, Bizarro, Hipocrisia, Humildade. Quando alguém me diz “Hoje um sujeito bizarro fez um negócio surreal!” eu fico esperando ouvir que um ornitorrinco com implantes sob a pele dirigia um trator na Avenida 23 de Maio. (Bizarro e Surreal junto daria meio nisso). Hipocrisia é a “atual resignificação das palavras falsidade ou mentira”, mas parece uma coisa maior ou mais importante. “Mentiroso!” é uma coisa muito Regina Duarte, “Hipócrita” é proparoxítona, uma palavra com “H”. É muito mais dramático!

Humildade é o “apelido fofinho para falsa modéstia”, que é uma coisa, absolutamente, detestável. Daí, ficou assim: “Eu acho surreal que no atual mercado de Artes tenha umas pessoas bizarras que não têm humildade para assumir que a hipocrisia…” essa é a “pica de aço do mestre de obras”. Soa alguma coisa que, definitivamente, não é. Pode até ser uma legenda interessante mas, definitivamente, não estamos falando de Arte.

Todos nós (como nunca dantes na história desse país!) pitacamos sobre Política. Eu mesma, sinceramente, adoro! Se eu trabalhasse na política, aí, eu teria que tomar muito mais cuidado com os meus pitacos, eu teria que, obrigatoriamente, ter uma “Obra Política” que justificasse minha falácia ou isto, sim, seria hipocrisia ou, ainda pior, o mais genuíno desejo de jogar merda no ventilador, talvez pra chamar a atenção, ser vista. Só que chamar a atenção não seleciona “de quem” ou “para quê” e quanto mais opiniões temos, maior é o compromisso com a nossa obra!

Dia desses, alguém publicou um vídeo de um casal dançando um “Arrocha” (sei lá o que era, exatamente, era um arrocho lá…) e eu achei feio, vulgar de mau gosto e comentei mais ou menos isso… Algumas pessoas, logo abaixo do meu comentário (daquele jeito que joga uma indireta-direta pra que todos saibam que está falando de você) escreveram coisas do tipo “são bailarinos maravilhosos, premiados sei lá quantas vezes, sei lá onde”. Pois é… pra mim que sou ignorante na diferença de um para outro “arrocho” fico, somente, como público, na posição de gostar ou não. Não gostei! Só que não pode “não gostar de gente famosa prasuasnega”.

E eu contei essa história pra contradizer o que acabei de dizer: “O compromisso com a sua obra”. Ou seja, até mesmo pessoas que têm “prêmios acumulados”, para fazerem ou dizerem o que bem entendem, num local público de altíssima frequência, como é o caso das redes sociais,  devem estar preparadas para críticas e saber que, fora do seu “Microcosmo onde ele é foda” pode, simplesmente, estar dizendo ou fazendo uma coisa que não é nada pra muita gente, com pompa de grande descoberta a ser compartilhada com todos.

Gente vendendo saquinhos de vento (sempre, claro, com explicações muito bem elaboradas, cheias de “surrealismo e bizarrice”, sobre o tempo, dinheiro e experiência que empreendeu para descobrir como ensacar vento) é bem irritante, mas a fila pra comprar, sempre me irrita mais, depois, o pessoal que não quer comprar o saquinho (afinal, é vento!) se ocupar de criticar (e, às vezes ofender, agredir) os compradores do saquinho me dão muita (muita, muita) vontade de ficar em casa, sem Wi-Fi, sem 3G, admirando as descobertas incríveis da Tampopo!

 

 

 

O treinador de Baleias – Uma dinâmica amorosa

As baleias são mamíferos marinhos enormes. Seu corpo gigante tem muita, muita gordura e a quantidade de comida que uma baleia precisa para se alimentar, vai muito além de um peixinho.

Eu não entendo nada da “bio-mecânica de animais marinhos”, mas, imagino que um salto de um peixe gigante (que não tem pernas, claro!) seja algo para o qual ele necessite empreender um esforço e energia do tamanho do Mundo.

Lá vem o treinador, do alto da escada, com seu peixinho, lá vem a baleia, do fundo de sua apertada piscina-cativeiro, saltar para pegar o peixinho, ganhar um cafuné do treinador e a Saudação da Geral!.

Quando o treinador oferece à baleia um peixinho, ele dá a ela duas informações: 1) Eu sei do que você precisa e 2) Eu tenho o que você precisa. A baleia, quando salta, não é para fisgar o peixe, e sim para fisgar a idéia, a possibilidade, o sonho de encontro com alguém que vai dar a ela o que ela precisa… Volta frustrada para o fundo da piscina e, antes mesmo de perceber o quanto aquele peixinho não saciou sua fome, não resiste ao brilho fosco, do peixinho que balança, lá no alto e salta, novamente…

Podemos, então, concluir que uma balia para empreender todo este esforço por quase nada deve estar, sim, faminta! Tanto tempo fora do mar que, talvez, ela sequer se lembre o que é estar, de fato, saciada, alimentada e livre.

Algumas histórias “de amor” (favor, considerar as aspas!) têm uma dinâmica muito próxima desta. A menina, a baleia, o treinador, o “Príncipe da vez” e os peixinhos são as migalhas de esperança que as fazem saltar de sua profundidade, para a ilusão – já comprovada – de encontrar o que precisa, o que a alimenta…

De acordo com ela, o seu “provedor” tem o que ela necessita, ela enxerga o balde cheio de peixes ao seu lado mas, o fato é que ela salta ao primeiro sinal de peixinho e o treinador pode ir embora com seu balde, brincar com outras baleias. Ela, no fundo de sua piscina, faminta e confusa, sente uma dupla culpa: querer o balde e aceitar o peixinho.

A este ponto, algumas meninas trocam de treinador, mas continuam na mesmíssima dinâmica, por já estarem, há muito tempo, longe do mar e da real sensação de ser alimentada, com calma, com fartura, a seu tempo. Ás vezes ficam anos assim…

Imagine o que aconteceria se a baleia, simplesmente, não saltasse? O treinador teria que aumentar o tamanho e quantidade dos peixes! Talvez ele atirasse alguns na piscina e ela os comeria sem que ele visse e se envaidecesse disso, indo embora com seu balde… Talvez ele atirasse todo o balde para dentro da piscina e, à essa altura, a baleia já estaria bem saciada e, não mais saltando, fosse devolvida ao mar…

Os “peixinhos” que alguns meninos atiram para as meninas, vêm em forma de elogio, de carinho, presentinho (quase sempre meio “opaco”, meio repetido, “virtual”) e, se você não saltar, vêm peixes maiores, um telefonema, chegam flores, ele fala de você pras pessoas e “curte tudo que você posta” (que preguiça pensar que isso é um “peixe médio”). Se você não aceitar os peixes médios, duas coisas podem acontecer: 1) Você vai conhecer um moço novo, melhor e mais gentil que é, exatamente aquele, só que rejeitado e se dar bem ou 2 ) Ele vai desaparecer com seu balde véio, vai tarde, obrigada, de nada, disponha.

Receber e Responder são duas coisas absolutamente distintas e você pode (deve!) receber, aceitar, alimentar-se dos peixinhos, você só não precisa saltar! Ele te diz “Você é a mulher mais deliciosa que eu conheci na vida!” (lá no “Watsapp”, um peixe médio, pra ver se você salta). Receba, aceite, acredite, sorria, alimente-se dele e não faça absolutamente nada “com” ou “por” ele. Pense que, assim com a barriguinha mais cheia, o próximo “Príncipe encantado” já vai ter que chegar com um Atum inteiro ou você nem irá notar sua chegada e essa “rede” deixará os caras do baldinho do lado de fora da sua piscina!

Ame você primeiro, sereia! Nós somos muito mais que baleias e, infinitamente, mais que sereias! Sabe por quê? Sabe, exatamente, aquilo que as sereias não têm? Pois é… nós temos! Só “pelo que não têm as sereias”, os homens são capazes de enfrentar Monstros Marinhos! E, acima disso, um ventre que pare, seios que alimentam, entre eles, um coração de leão, de sobrevivente, acima disso, a garganta, a boca que berra “Não!”, olhos cheios de amor e, ainda acima, bem acima uma máquina maravilhosa que Deus Deu a homens e mulheres, para que todo o resto funcione bem.

Aproveite todos os recursos e, pelo sim pelo não, tenha sempre uma amiga durona pra ligar quando “a coceira no dedo” estiver insuportável e, se possível, um bom amigo (pode vir com corpo ou, somente, pilhas) para quando a coceira não for, bem, no dedo.

Pesca e colchões (Improviso e sobrevivência)

Foi assim: Era uma vez duas gêmeas más. Elas eram egoístas, histéricas, sem nenhum senso de humor e um pouco ninfomaníacas. As gêmeas davam pra meio mundo. Juntas e separadas, era um escândalo em Foz do Iguaçu! E então, surgiram dois forasteiros, que vinham lá dos Pampas, que eram muito machões e não tiveram medo de amar estas mulheres sedutoramente más!

Traziam consigo suas economias para iniciar novas empreitadas no Paraná, deixando pra trás um passado de chima (rrão), cachaça e putaria e a história – que é outra história – de como foi que acumularam fortuna. Chegaram a Foz dizendo que foi Loteria que, pingas depois, virava uma aposta e, pingas depois, viravam especulações sem sentido, olhares sinistros, trocados entre os dois e, deliciosas fofocas, uma mais quente que a outra, enchendo cabeças e boquinhas sussurrantes das senhoras católicas com tempo de sobra. Uma beleza!

Empreenderam seu dinheiro em dois comércios, um, uma casa de produtos para pescaria e o outro, uma loja de Camas e Colchões. Conheceram as gêmeas, apaixonaram-se e se casaram.

Se eu escrevesse ficção, a este ponto, elas seriam salvas pelo amor, deixariam de ser egoístas e mal-humoradas, ficariam um pouco mornas e controlariam sua ninfomania (há terapia ótimas para estes casos, hoje em dia!) e eles teriam filhotinhos de bochechas rosadas. Só que não… Na vida real, as coisas e pessoas mudam muito pouco e as gêmeas lhes tiraram o sossego, a energia e o dinheiro e os dois, cornos e falidos, juntaram seus chifres e produtos e montaram um negocinho, uma portinha besta, botando acima da porta uma faixa improvisada, onde se lia “Pesca & Colchões”. Dentro da lojinha, produtos para pesca, colchões e dois cornos de passado mal contado.

É verdade que não chega a ser lá um final feliz, até porque, fora da ficção, o final de nada costuma ser muito feliz, mas eles improvisaram e sobreviveram. Chima, pinga e Zona, remédios para todos os males!

Lembra do “Bar do Cidão”? O Cidão era um Nego-Véio, sobrevivente da Velha Guarda do Samba de Sampa, tinha lá, uma portinha na Vila Madalena, daquelas que “você não dá nada” e, ao entrar, você podia cruzar com figuras incríveis da Cena do Samba Paulistano e tudo podia acontecer… No cardápio do bar, tinha um papelzinho grampeado com parte dos pratos e o Cidão me explicou que “é que não coube tudo, então, a gente pregou isso aí” e era um charme só! Samba finíssimo rolando, cadeiras de menos, e papeizinhos grampeados nos cardápios. O Cidão (que hoje, samba ao lado do Eterno) não teve “aquela estrutura”, nem “aquela oportunidade”, meteu sua portinha ali no “Epicentro da Confa Paulistana” e chamou a Velha Guarda pra fazer um som. Sem espaço, nem no bar, nem no cardápio, o Cidão improvisou e sobreviveu.

Preciso contar uma outra história, pra contar uma quarta história… Então, esta será bem resumida:

Estamos em 2015 e a Síria tá na merda… (é… tá na merda… que “tipo de merda” varia muito a opinião de pessoa pra pessoa…). Os sírios estão fugindo pra onde der pra fugir, do jeito que der pra fugir e morrendo feito borboletas pelo caminho, em silêncio. Talvez, a perspectiva de morte, tentando fugir, seja a única esperança, diante da certeza de morte, tentando ficar e, talvez, nem todos eles se importem com isso, talvez, se atirar num caminho sem volta, com chances mínimas de sobrevivência seja, nesse contexto, alguma sensação de poder sobre a própria vida, que é a primeira coisa que se perde quando tudo começa a se perder.

Entre outros meio semi-suicidas, há embarcações que se atiram mar adentro sem nenhuma segurança de que possa chegar do outro lado, seja lá qual for e, assim, corpos aparecem nas belíssimas praias européias. Na semana passada foi a vez de Alan Kurdi, de 3 anos parar o mundo pra ser visto, sem vida, deitado de bruços, numa bela praia da Grécia. E todas as pessoas que estão em 2015 o reveem, lendo este texto. O corpinho do Alan chegou aqui no Brasil, na nossa praia, na nossa ilusão de viver num País que não tem Guerra, foi arrastado pelo mar da Grécia pra dentro da casa de cada um de nós… E agora?

Fui procurar “meme” na Wikipédia (pra contar a tal da história) e encontro:

“A chave de todo ser humano é seu pensamento. Resistente e desafiante aos olhares, tem oculto um estandarte que obedece, que é a ideia ante a qual todos seus fatos são interpretados. O ser humano pode somente ser reformado mostrando-lhe uma ideia nova que supere a antiga e traga comandos próprios.”
Ralph Waldo Emerson

“Tem oculto um estandarte que obedece” dá outra história, então vou ficar com “O ser humano pode somente ser reformado mostrando-lhe uma ideia nova que supere a antiga e traga comandos próprios.”. Hoje eu recebi um Meme (taí a história!) feito de um desenho lindo, singelo, naif, de uma Yemanjá levando o menino mar adentro, deixando o corpinho para trás e dizendo a ele “Para onde vamos, só há paz, meu anjo” e foi aí que me lembrei da loja de Foz do Iguaçu, do Bar do Cidão e nessa nossa vontade louca de sobreviver a qualquer coisa, que foi capaz de invocar um Orixá para levar para longe essa dor, esse desconforto, uma “idéia nova que supera a antiga”, uma esperança, um final feliz para o corpinho que chegou aqui.

Não, nós não somos 204 milhões de canalhas, de corruptos, de idiotas, de filhosdaputa em geral, é o contrário! Estes canalhas são minoria (só fazem muito barulho!) Somos 204 milhões de pessoas que se reconstroem, que se reinventam, que improvisam e sobrevivem no final. Somos milhões de Cidões, milhões de vendedores do que pudermos vender, milhões de  Yemanjás buscando a paz mar adentro, ainda que esse sentimento seja traduzido num incômodo Meme viral.

 

All my troubles seemed so far away…

Envelhecer tem, sim, lá suas vantagens. Por exemplo: Saber a diferença entre drama e tragédia e saber o que fazer com seu cabelo. Dois problemas distintos, de berço, sanados! De desvantagens, todas as que já sabemos e uma que os “meus velhos” esqueceram de comentar: Os outros se vão e você vai ficando…

Somos pouca coisa a mais do que os outros sabem de nós, uma outra parte, é o que construímos em nós, na presença destes outros. A presença dos seus em sua vida é a garantia que você tem de não se esquecer quem você é. Se você fingir ser outra pessoa ou, simplesmente, esquecer-se, tem um cara lá que vai te olhar um olhar “Te conheço!” que te faz encontrar, imediatamente, o caminho que leva de volta a você.

As pessoas que você ama, suas testemunhas, nesse caminho lado a lado, vão criando raízes que se entrelaçam nas suas e, caso você se perca, tem como voltar, somente olhando pro lado.

Tem uma parte da sua história que é tão entrelaçada na raiz ao lado, que você precisa do outro pra te apontar o que é você e o que é ele. Os nós destas raízes vizinhas fortalecem as suas até que um dia, um ruído seco corta aquele negócio lá longe, lá na base, e você percebe que tem um ramo a menos te prendendo à vida.

Um dia, o seu telefone toca e alguém próximo de você, alguém que não te liga. – Aliás, atualmente, ninguém liga pra ninguém… Em quase que dois significados. – Alguém que, não necessariamente liga pra você, te liga, falando com uma voz de quem, realmente, liga muito pra você “Onde você está? Você já está sabendo?” e, sim, você, do outro lado, já está sabendo.

Nas primeiras duas ou três vezes, dá aquela “tonteira”, um mal-estar, uma sensação de que algo ruim pode ter acontecido. Chega um momento em que não, você não tem sensação alguma, você sabe, exatamente, o que aconteceu e prende o ar para ouvir “Quem foi?”.

Dia desses, o Thomas que tava por aí, foi embora, não tá mais… Ele andava bem doente, sofrendo muito nos últimos meses e minha primeira sensação, ao ouvir seu nome, foi de alívio, depois, revendo minhas memórias, um pouco de riso, um pouco de culpa (podia ter feito sei lá o que mais…), aquela saudade doída, revirando lá dentro, como um redemoinho, brotando, discreto, lá no fundo da alma, uma onda gigante de lágrimas, o peso do “nunca mais” e um pouco mais de solidão. Uma testemunha a menos, uma raiz a menos e eu, sinto-me ficando um pouco mais frouxa no Mundo.

A luz, “aquela luz”, sabe? Interior? Quando a gente se apaixona, fica mais colorida, e todo mundo repara, sabe? Eu não acho que seja uma luz, acho que é como uma manta de luzes de muitos tamanhos, intensidades e cores diferentes. Quando alguém que você ama se afasta, apaga uma, depois outra, depois outra… A gente vai ficando na penumbra, até que algumas delas se reacendem, ou ainda, brotam novas luzinhas, mas, as dos outros, os que vão embora, estas não. Nunca mais.

O Thomas, certa vez, me disse: “Sabe… eu não tenho porra nenhuma do que as pessoas dizem que a gente precisa ter pra ser feliz… Eu não tenho carro, não tenho casa, não tenho dinheiro guardado, nunca botei uma gravata e não sinto a menor falta de nada disso!” e era, absolutamente, verdade. Ele viveu mais de 50 anos sem carro, nem gravata, cercado de montanhas de discos e livros e pessoas, de todas as cores e formas, rindo à toa, contando mil histórias e fazendo música.

E, olhando assim pro Thomas, tão vivo, vejo o outro lado da perda dos outros, que foi o privilégio de ter estado em sua presença! Estes são aqueles amigos que sabiam das coisas. De alguma maneira, sabiam o que todos dizemos saber, que a vida é urgente e preciosa, que é melhor deixar pra lá, que é mais gostoso com bom humor… Eles passam na vida da gente, às gargalhadas, e se vão, cedo, sem débitos.

Ele era “Beatlemaníaco” e eu, o extremo oposto… Em uma das cem vezes que ele me obrigou a “ouvir Beatles para mudar de idéia”, eu disse “Thomas! Desiste! Eu detesto essa porra!”, ele deu uma gargalhada, me deu um agarrão, falou “Você é uma figura! Eu adoro você” e não tirou o som. Nem reparei! Reparei mais no fato de ele me adorar, detestando a coisa que ele mais amava.

Era assim que o Thomas levava a vida, fazendo o que queria, dando gargalhadas e amando as pessoas. Do jeitinho que a gente sabe que deveria viver, até que um dia, fique de nós o som da nossa risada, das canções que foram trilha sonora das histórias que contamos juntos, o ruído dos sapatos caminhando ao lado e as profundas marcas no nosso caminho, de cada nozinho, cada raminho daquela raiz na qual se apoiou a sua, por tantos anos.