Eu perdi uma aluna

Uma não, duas! A primeira, ocupadíssima com sua carreira (e que carreira!) é daquelas mulheres tranqüilas que aos trinta e poucos, formada e muito bem formada, vive com a mãe (muito bem, obrigada!) daquele tipo que “não perde tempo com homens”, bonita, segura, forte, tão forte que pode se dar o luxo de demonstrar uma baita fragilidade e até ser menina mesmo com esse currículo todo.

A segunda, aquele outro extremo, relacionamento conturbado com a família, sempre tem o “grande amor da sua vida” ocupando todo tempo e espaço possível, vaidosa, ansiosa e linda, um ruído constante, pouco “tempo e espaço interno”, pouca contemplação, e um tesão, uma vontade de aprender, de fazer as coisas, de mudar sempre, daquelas que não sossega com o cabelo, e que não sai da frente do espelho enquanto o “movimento não estiver perfeito”, aquele olho atento, com vontade de gozar a vida, todos os dias, cada dia de um jeito diferente, chorar a cântaros e gargalhar aos berros.

A primeira, fez Dança do Ventre para relaxar e, quem sabe, uma vez por ano, com suas colegas, se apresentar em um teatro, levar a mãe e as amigas mais próximas, sem muito tempo para estudos extra, com uma carreira que exige que, às vezes, sua assiduidade e pontualidade na dança sejam postos em segundo plano, sem muita intimidade com a professora também. A segunda, tá na Dança pra arrasar! Pra ser bailarina, pra ser melhor que ela mesma a cada apresentação. Daquelas que não faltam (quase!) nunca, avisa quando vai faltar, nos apegamos, nos apaixonamos, por afinidade, com a dança, com a vida, por ser “extrema” como eu, viramos grandes amigas.

À medida que meu grupo foi deixando de ser um “grupo de alunas” e passando a ser uma “Companhia de Dança”, a primeira, olhou a cena e achou tudo muito “lá no alto”… Fora de seu alcance e além dos seus objetivos e desejos. A segunda, foi crescendo, crescendo e vendo a mesma cena como um lugar muito “apertado”, ela quer mais, muito mais, saiu voando pela cidade. A primeira, se desligou enviando um email (frio?) para minha assistente, a segunda, foi num “quebra-pau” (quentíssimo!) comigo mesma. Saíram… foram embora… anos depois, cada uma procurar o seu caminho confortável dentro da dança e acredito que nós três estejamos certas, as três seguindo o que acreditam e também cheguei à conclusão de que cada vez que “ganho” uma aluna, talvez alguma outra professora, do outro lado da cidade, tenha perdido e vice-versa. Neste exato momento, acho eu, uma professora ganha uma aluna que quer se divertir e distrair com a Dança do Ventre e o mercado recebe uma nova bailarina e é assim mesmo que as coisas são.

Eu sou apegada, tenho ciúmes, tenho saudades, admito, mas a vida tem me mostrado cada dia mais que tudo é cíclico, que nada dura para sempre, que os caminhos se cruzam e descruzam, que os relacionamentos são feitos de encontros e desencontros e que aquela velha canção ainda é atual: “O novo sempre vem!”

As aparências enganam?

Quando eu “decidi ser magra”, depois de perder os tais quilos que eram, na minha opinião, “a mais”, confesso que fiquei meio paranóica e transferi essa paranóia para as pessoas a minha volta, falando sobre carboidratos, açúcar e escadas rolantes, que foram terminantemente proibidas. Depois comecei a querer emagrecer o mundo inteiro!

Até que um dia vi uma moça gordinha subindo a escada rolante comendo um churros de doce de leite e ela parecia tão feliz! Daí, me perguntei se no fundo, no fundo, não era uma invejinha e percebi que EU preciso ser magra (sei lá porque, mas sou mais feliz assim), mas ninguém precisa parecer com nada que não queira.

No ano passado produzi um espetáculo (“Faces do Oriente”) e, na platéia, além de artistas envolvidos com Dança do Ventre, havia artistas de outras áreas, intelectuais, donas de casa, crianças, até um músico Norte Americano e um Cônsul! Depois, conversando com parte destes convidados e seus amigos, recebi elogios pela diversidade estética do espetáculo! Havia mulheres de dezoito a cinqüenta anos, de todas as cores, tamanhos e formas, profissionais e amadoras, fazendo parte de uma mesma Obra de Arte que perderia parte de seu colorido, de sua “estampa sofisticada” além de cair no lugar comum onde só entram as assim ou assado.

A escolha do assim ou do assado, somente faz sentido em uma Companhia de Dança, onde o Coreógrafo, como qualquer artista da área da Criação propriamente dita, tem liberdade e direito de definir uma estética. Tem Companhia onde somente dançam bailarinas gordinhas, ou somente nuas, negras, orientais… Algumas exigem medidas exatas, tamanho de seios, altura, outras não exigem nada disso e, no final das contas, todo mundo pode dançar!

Mas… Sempre tem um “mas” quando se fala em aparência, porque tem uma confusão com modismo, preconceito, inveja, padronização, e estas coisas vão se misturando e alguém sempre se ofende. O meu “mas” é o seguinte: Numa situação de teste, concurso, seleção, etc., havendo duas pessoas com as mesmas “qualidades curriculares”, a combinação branco/jovem/magro, no Brasil, ganha. E assim é no banco, no hospital, no comércio, e exceções a essa regra não costumam acontecer com bailarinas de Dança do Ventre. Nesse caso, bom pra umas, ruim pra outras e indiferente para as que não desejam fazer parte deste “Macro Mercado” onde tem, sim, concorrência.

Mas… E esse é um bom “mas”, A qualidade ainda prevalece! A experiência também! As aparências são levadas em conta, sim, às vezes, até enganam, mas estas que só enganam têm vida curta. E todo mundo ainda pode dançar!

A Dança do Ventre do Brasil

A Dança do Ventre veio para Brasil com os árabes, atraídos pelo comércio e, atraídos por eles, outros árabes: libaneses, sírios, iraquianos e os músicos, simplesmente, apareceram. Onde há família árabe, há festa, onde há festa, música e sendo a música árabe, dança do ventre e foi assim que tudo começou no Brasil, em São Paulo, nos anos 70/80. Por todo o Mundo, atualmente, bailarinas brasileiras trabalham e são referência, e, apesar da diversidade étnica e de estilos, há um consenso que há uma “Dança do Ventre Brasileira” e que esta tem algo de especial.

A Dança acontecia em festas e restaurantes árabes, depois em Grandes Eventos (promovidos, também, por brasileiros), surgiram bares e restaurantes com apresentações regulares e, com esta demanda, surgiu o mercado de aulas e Festivais, teve a novela “O Clone” e, com a moda, escolas, Eventos e o Mercado de Dança do Ventre atual, com Festivais Internacionais, patrocínio, etc.

E então nos perguntamos por que o Brasil? Porque o Brasil sempre teve capacidade de absorver outras Culturas, porque as mulheres brasileiras são femininas, bonitas, sensuais, porque virou moda? E então, procurando respostas, fui pro Cairo.

Eu me senti deslocada em diferentes fases da minha vida, no Magistério, no Piano, na Letras, na família “de homens” onde cresci e ser adolescente nos anos 80 não foi nada fácil. Cresci e fui ver o mundo, sozinha mesmo, já havia descoberto que as pessoas são únicas e não tinha mais o desejo adolescente de “não ser diferente da maioria”.

Assim, “deslocada”, “diferente”, me senti na Europa, com “alguma coisa fora do lugar”, a pele, o cabelo, o sorriso, a altura, tudo ou quase tudo em mim era só eu quem tinha, por onde quer que andasse na rua e, no Cairo, nos passeios pela periferia, nos ônibus, indo sozinha ao Supermercado e tendo contato com as pessoas comuns e não somente as treinadas para atender ao “gosto ocidental”, de um certo modo, me senti em casa. Nada de respostas. Fui de novo, mais um mês… Quase, quase… Nos parecemos fisicamente, no astral, no gosto pela conversa, amamos futebol, gostamos de festa.

De volta ao Brasil, a pergunta gritando dentro de mim, fui ouvir o baião, o aboio, o repente e lá estava ele: O ritmo, o molho, a África, a colonização árabe no Nordeste, a mistura, o cabelo duro e descobri (especulei, inventei, decidi, sei lá) que a mulher brasileira e a Dança do Ventre é um reencontro, uma mulher brasileira e uma egípcia se parecem mais do que uma brasileira e uma européia ou uma egípcia e uma indiana, algo muito especial e ancestral no liga.

Especulações à parte, dê uma boa olhada nas ruas do Cairo, tire os preconceitos e os lenços e você irá encontrar seu sorriso, o seu olhar, entre os rostos daquelas mulheres. Voltando ao Brasil, vá a uma quadra de escola de samba ver as egípcias sem lenço, nem preconceito, nem pudor. É tão lindo!