“VENTREVEST”

Um grupo de 10 vestibulandos sentam-se à mesa do bar e fazem um Campeonato de Adivinhação da Tabela Periódica, definindo que o último a acertar paga a conta. A brincadeira dura apenas poucos minutos, pois todos os 10 a sabem de cor. Dá empate técnico, 4 deles demoram o mesmo tempo para lembrar a tabela toda e, portanto, devem pagar a conta. A conta chega: $ 160,00 a serem divididos pelos 4 perdedores e um deles pergunta: – Alguém tem uma calculadora?

É claro que estou aqui para falar de Dança do Ventre e contei esta historinha hipotética para fazer um paralelo com o que pretendo colocar: A atual Dança do Ventre (há exceções, sempre há, muitas, Graças a Deus!) está numa fase “Dança pré-vestibulanda”, onde decoram-se fórmulas e esquecem-se coisas simples, entretanto, fundamentais para o dia a dia de uma bailarina, como divisão (por 4!) na vida de qualquer criatura.

A menina entra para dançar: Linda, bem vestida, com um figurino “recomendado” de Costureira X ou Y, a custo de “Costureira da Moda” ou ainda (pior!) “Condição para ser aceita”. Cabelo e maquiagem impecáveis, sorriso aberto, corpo “dentro dos padrões definidos por sei lá quem”. Tudo que disseram que ela deveria fazer para ser aceita.

Entra no momento certo da música, com muito impacto, gira, sorri, ocupa todo o espaço com uma meia ponta de deixar qualquer Fifi Abdo de queixo caído e então lá vem ele… um violino! Um violino é um instrumento arredondado, pequeno, acinturado, que é tocado coladinho ao corpo, às vezes de olhos fechados o que, traduzindo para “Dançadoventrês”, pede (ou exige?) oitos, redondos, ondulações, movimentos cheios de sinuosidade, sensualidade, poesia e a “Candidata” (ui!) faz… braços! Molduras pré-aprovadas, perfeitas, organizadas. Então, surge um Qanoon, desenhando ondas trêmulas no ar, trêmulos pequeninos, irregulares, que sobem, descem, desaparecem e ressurgem de longas pausas de delicioso silêncio e a candidata… gira, gira, faz cambrés, arabesques, tudo muito lindo, muito limpo e… absolutamente fora do lugar.

Daí “tenque”… Tem que fazer uma cara assim, outra assado, olhar para todos os examinadores, sorrir, agradar, agradecer, seguir as regras, as fórmulas, os Guias… Tem que pular loucamente à simples menção de um Mizmar, porque daí é Saaid, tem que “bater cabeça”, numa simples menção de um “Soud”, porque daí, é Khaligie.

Um rítimo “incidental” é uma citação dentro de uma composição e não uma regra para a bailarina e, na minha opinião, o que quer que ela faça com graça, beleza, verdade e prazer, dentro do tempo, com bom gosto, sim, está certo!

Pergunte em uma sala com 30 brasileiros:

– Qual a diferença de Baião e Xaxado?

– De que região do Brasil vem a Catira?

– Qual é a diferença entre Aboio e Repente?

– O que é síncope?

Destas perguntas depende, um sujeito que se julga “músico brasileiro competente” sê-lo de fato, assim como apreciadores da música brasileira.

Depois que constatarmos que não sabemos, sequer o “mínimo” sobre a nossa própria música, podemos voltar a falar sobre ritmo e composição, mas já me adianto: É de uma prepotência sem precedentes acreditarmos que aqui, do outro lado do Planeta, podemos julgar com absoluta certeza, se um ritmo incidental é um Soud, Aiub, Núbio que têm, entre si a diferença de um Baião e um Xaxado (ambos, nós, ignorantes da música brasileira chamamos de “Forró”, que é, também, uma outra coisa, vem de “For all” – “para todos” em inglês – e trata-se da Festa, é um evento, é uma “Festa for all”.

Informação balsâmica para a sua cara de “?”. Dança do Ventre também é for all!!!

Uma dança com figurino e música árabes que não tem oitos, ondulações, redondos e shimmies é Fusão (ou “Fusion”, como a maioria prefere chamar), não é certo nem errado mas “do Ventre”, sem trabalho de Ventre, não, não é.

Como foi mesmo que isso aconteceu com a gente? Por onde e por que começou? Eu palpito que foram dois eventos paralelos aos “Concursos de Dança do Ventre”:

1 – A Dança do Ventre é difícil, mesmo, demora, às vezes dez anos para estar, realmente, Oriental, então começamos a “comê-la pelas rebarbas”, ensinando braços para a dança, ballet para a dança, leitura musical para a dança, coisas. Coisas em volta da dança.

2 – Fazer aula regular anda meio fora de moda… A menina vem para uma turma ou aula particular e eu pergunto “Quanto tempo de aula você tem?” e, depois de muita enrolação para responder, percebo que ela faz “Workshops de Dança do Ventre há X anos” e aulas particulares com o País inteiro para ser conhecida por bailarinas importantes o que irá, certamente (?), ajudá-la a “Passar no Ventrevest” de sei lá quem.

O tempo médio de Graduação em uma Universidade “quase impossível de entrar” varia de 6 a 10 anos. Ninguém ensinou o que fazer depois de “estar lá”, só aprendemos a “estar”, não aprendemos a ser, nem a aprender, nem a permanecer porque fórmulas servem apenas para isto. Estar. O ser é uma construção pessoal, ser profissional, então, uma outra construção que depende de um pouco de talento e muito esforço, então vem a frustração e a menina bate na minha porta uma vez mais “Eu fiz tudo direitinho! Tenho um guarda-roupa incrível, conheço todas as pessoas que deveria conhecer, fiz os cursos que tinha que fazer e ‘não aconteceu nada’!” e então, me resta a terrível função de comunicar a menina que para ser Bailarina de Dança do Ventre ela precisa aprender a dançar Dança do Ventre e, sim, estas coisas óbvias são as que devem ser repetidas porque são as que esquecemos primeiro, buscando a tal da fórmula que em tantos anos de apaixonado exercício de ensinar Dança do Ventre (17!!!) não há diabo que faça a menina convencer-se disso, por mais que eu diga.

Encerrados os meus argumentos, a contra-argumentação é quase sempre a mesma: “Você é a Jade, você pode se dar ao luxo de fazer o que quiser!”, lá vem mais uma informação-bálsamo: É o contrário, Bailarina!!! É justamente o contrário: Foi somente por fazer o que quero – e estudo, e acredito, seguindo o exemplo de algumas das maiores bailarinas do mundo – que eu cheguei até aqui.

Vai pro espelho, Bailarina! Pegue esse tempo de discussão de fórmulas, tome um banho bem gostoso, cuide da sua pele, faça muito carinho em você mesma, coloque uma roupa confortável, faça um chá de frutas vermelhas e vai ver a Fifi Abdo dançar…

É pra você, pra mim, pra Fifi, é for all!

Quebrando a Banca (seus preconceitos, medos e mitos)

Quando começou essa “História” de “Concurso de Dança do Ventre” no Brasil, minha geração achava isso uma grande piada, sinceramente… Nós, simplesmente, nos recusávamos a fazer parte, achávamos bizarro, sem sentido, tínhamos horror a isso!

Talvez, também por esta razão, os “Concursos” passaram a ser “Não concursos”, viraram “Selos”, “Padrões”, etc, mas, na cabeça da menina que dança ainda há uma certa confusão com relação a isto. Percebo quando elas “voltam do Concurso-não-concurso” dizendo que “não passaram, mas fulana passou”, então, sim, concorrem! Às vezes, concorrem a nada, às vezes trabalho, prestígio, visualização, medalha, capa de revista e até dinheiro mas, quase sempre, “as melhores ganham alguma coisa”. Então, no caso, é concurso!

Agora, este formato (também, Graças a Deus!) tem mudado e as meninas têm participado de bancas nas quais, de fato, ganham uma coisa demasiado preciosa: A Avaliação de um artista que ela admira, olhos nos olhos, imediatamente após a “Banca”. Isto eu, particularmente, acho sensacional! Este é o tipo de banca que eu faço com prazer, porque estou oferecendo um “produto” que pode ser mais efetivo e, claro, dentro da área que eu realmente trabalho, que é o Sagrado Exercício do Magistério, coisa para a qual, acredito, eu vim a este Mundo.

Quando eu comecei a dançar, ao lado de feras como Layla, Nájua Sune, Shams, Fátima Fontes, se uma destas meninas, mais velhas e mais experientes que eu me dissesse “Esta maquiagem (roupa, perfume, acessório) não lhe cai bem” ou “Você precisa estudar isto ou aquilo” eu, simplesmente, acatava! Hoje em dia, somente dou dicas e conselhos quando sou paga para tanto, porque o dinheiro é uma garantia de que minha opinião interessa, de fato, à menina porque, muitas vezes “Eu quero sua opinião” quer dizer, na verdade “Eu quero um elogio seu” e também acontece o contrário! Eu digo à menina que ela “tem futuro” e ela ouve que “pode parar de estudar porque arrasa”, então, tenho guardado muitos elogios e críticas para mim mesma… Saio sentida, “devendo a mim mesma” mas… já disse isso antes, meu armário de saias justas está lotado demais!

Se eu vendesse pãezinhos, se a pessoa me pedisse meia dúzia deles, receberia meia dúzia de pãezinhos feitos com muito profissionalismo e cuidado, para esta “cliente” e é assim, exatamente, assim que eu avalio uma menina: Ela compra um produto e eu o entrego, da melhor maneira possível, sem muito “embrulho” (ou seria imbróglio?) para que o produto não seja confundido com a embalagem… Se você se ocupar da parte do “Olha você é linda, eu entendo que você está nervosa, você dança muito bem…” você “ocupa o espaço de um pãozinho no seu embrulho”, entende? Esta parte ela já ouve (da mãe, das amigas, do namorado, etc) o meu produto é outro: Avaliação

Se me permitem aqui vão três dicas para bem avaliar uma bailarina (na minha opinião, claro):

1 – Preste atenção ao que ela tem de bom, de facilidade. Ela sempre terá esta mesma facilidade e vale a pena “investir” nela, porque, provavelmente, esta será a sua “marca”, seu diferencial, seja um “quadrilzão”, um “sorrisão”, um “ouvido incrível”, etc. Apontar sua qualidade e, vale a pena explicar isso, significa “estude mais isto que é prazeroso pra você de estudar/executar, para que isto cresça, pois será sempre a parte mais fácil pra você e, sendo fácil e estando bom, pode tornar-se sublime através do estudo, ou, ‘sua única coisa, desde sempre’, se você se acomodar”.

2 – Aponte, claramente, o que você acredita que ela precisa melhorar, em todos os aspectos da dança que você perceba e ofereça (Sempre!) dicas e caminhos para esta melhora. “Não sei o que você pode fazer para melhorar” ela também já tem das pessoas às quais ela não paga. Portanto, se você perceber uma “coisa para ser melhorada que não é da sua alçada”, tenha humildade para consultar os colegas de banca ou, na falta da humildade (ou de tempo), não diga nada.

3 – Aceite as possíveis rejeições às suas críticas e observações! Lembre-se que nem sempre uma pessoa aceita receber um produto, apesar de ter pago por ele! E haverá rejeições sim! Eu recebo algumas vezes (não diretamente mas, claro, sempre tem alguma “boa alma” para trazer este tipo de comentário) e minha reação é a de sempre: Não faço absolutamente nada. Não faço absolutamente nada com relação a coisas que não me trarão benefícios profissionais e pessoais, nunca. Fofocas, intrigas, críticas grosseiras. Rio e saio para fumar porque “tomar um pito meu” é reservado às pessoas que eu amo e que pagam (de alguma forma) por isso.