El Tarab…

Nada que diz respeito ao Mundo Árabe é possível de ser colocado em um envelope, lacrado e etiquetado. Política, Religião e Tradição se entrelaçam o tempo todo. Dentro da Tradição, existe a Cultura e, dentro da Cultura, a Arte, ainda entrelaçada com estas “outras coisas”, assim são a música e a dança árabe: Tudo depende… É Tarab? Depende… E este é um bom jeito de começar a ensinar, explicando que não será possível aprender uma coisa só. “Só Tarab” ou “Só Religião”, não, não dá…

Existem alguns cantores e compositores que trabalharam somente dentro deste “ambiente”, como é o Caso da Oum Kalthoum. Tudo que Oum Kalthoum canta é, obrigatoriamente, Tarab, por ser ELA cantando, então, qualquer música que tenha sido cantada pela Oum Kalthoum é Tarab? Não, não é. Se for feito um “remix” de uma música, tirando dela características originais de arranjo e composição, bem como somando outras, pode ser que permaneça sendo Tarab ou não.

O que não é Tarab? Esta é fácil!: Folclore, fusion, shaabi, moderno, Ocidental. O que é Tarab? É um Universo, é uma Sensação, é um “Elevar-se”, é um Portal, um portal que não pode ser visto de longe, é uma fonte, uma fonte que não aceita cantis, uma fonte onde somente é possível mergulhar ou admirar de longe, muito longe.

Há alguns bons anos, uma bailarina dançar um “Tarab” seria a mesma coisa que a Carla Peres fazer uma performance com uma música do Paulinho da Viola. Não agradaria nem aos fãs de Paulinho, nem de Carla Peres, seria o cruzamento de dois Universos, até então, Paralelos. Até que Suhair Zakie decidiu incluir músicas da Oum Kalthoum em seu Show e, como é comum às grandes estrelas como a Suhair, passou a ser permitido. Assim é a Dança do Ventre: Uma estrela autoriza e todas nós, “mortais”, podemos experimentar, como foi o caso da Fifi Abdo com Shishas e insensos, como foi a Dina, com relação aos figurinos, Madame Suhair Zakie, para nossa sorte disse “Sim, pode!” e, agora, pode.

Depois de algumas discussões sobre o Contexto Histórico destas composições (discussões sobre História e Geo-Política no Oriente Médio, bem como língua árabe), em sala de aula, podemos seguir alguns passos para, absolutamente nuas, mergulharmos nesta Fonte e, quem sabe, experimentar este mistério que é o Tarab…

A LETRA

Eu e, por consequência, as bailarinas com quem trabalho (de quem sou professora ou orientadora), no caso de músicas cantadas, partimos da letra. Conhecendo algum “Vocabulário Romântico” em árabe já é possível ter uma ideia do que se trata a letra, este conhecimento, somado à uma mão do nosso “Senhor Google” e Voilà! É possível ter uma ideia do que se trata a canção. Com a letra na mão (ou seria no coração?) partimos para coisas mais técnicas.

ESTRUTURA DE COMPOSIÇÃO DE MÚSICAS TARAB

Existe uma Estrutura “mais ou menos fixa” nas composições que é a seguinte:

– História

– Detalhes da História

– Lamento

– Solução/Resignação

Esta forma (exceto pela primeira e quarta partes) não é, necessariamente, linear. Às vezes, há a história, detalhes, lamento, mais detalhes, repetição da história, etc…

Existe, por convenção, nas composições Tarab, a supervalorização do Virtuosismo e do Improviso, portanto, no momento da execução, uma composição que tinha, originalmente 20 minutos, passa a ter 40, 50, porque “o clima” ou “o momento” impulsionaram músicos a estender um Taksim ou um Mawal. Mais uma vez, “Depende”.

Já temos a letra “dissecada”, separados os “Quatro Momentos”, portanto, já podemos pensar em técnica.

Quais são os instrumentos que fazem os “Taksims” (Improvisos)? Como estes instrumentos devem ser interpretados ? Qual a diferença entre um “Violino Lamento” e um “Violino contando a história”? E, a medida que conhecemos melhor a música, a dança vai se formando dentro de nós.

TÉCNICA RECOMENDADA

Técnica recomendada seria a mesma coisa que “Gramática recomendada”. Se a pessoa que escreve não tiver uma “boa ideia”, não há gramática que dê jeito! O que é a expressão a final? Etimologicamente falando, é a “ação de demonstrar uma coisa implícita” se falarmos de sentimento, o que é a expressão na Dança do Ventre? É a ação de demonstrar um sentimento, certo? Então, se o sentimento for “não tenho ideia do que estou fazendo”, esta será a expressão, da mesma forma que, se o sentimento for “é uma delícia dançar”, isto será o que “está na cara”. Então, a técnica é uma coisa que se usa para expressar uma ideia (qualquer técnica, qualquer ideia)…

Uma menina pode dizer à outra “Eu gosto dele, sabe… mas tipo… sei lá, me faz tipo meio mal… eu queria sair com o cara mas… daí depois eu fico, tipo esperando que, sei lá, ele venha atrás de mim… sei lá… eu…”, e a Clarice Lispector disse “Gostaria de poder continuar a vê-lo, mas sem precisar tão desesperadamente disso!”. O sentimento das duas é o mesmo, mas a Clarice tem “Técnica para Expressá-lo”, a outra menina, não. Então, posso afirmar que não há sentimento que fique belo em sua revelação, sem que haja técnica para revelá-lo.

E, já que falamos em etimologia, o que é “revelar”? É “velar uma vez mais” para que a coisa possa ser vista, como se você tivesse a sua frente uma maçã invisível que, coberta com um véu, através do véu, fosse possível ver, sutilmente, que ali há uma maçã! A “Revelação” implica em um tempo e um desejo do interlocutor, de ver o que está sob o véu, é uma coisa diferente de “mostrar”, mostrar é uma coisa para se fazer “em sala de aula”, “isso aqui se faz assim!”, para o público (o Publico!!! Eles sim, eles é que contam!) fazemos “revelações” e não “demonstrações”. Isso é Dança do Ventre! É desafio, exposição, revelação, é Tarab, sou eu, você e todos os ventres do Mundo. Ensinar? Tenha a confiança de suas alunas, se entregue a elas e aperte, aperte, aperte, que sai!