Quando eu, finalmente, fui concebida, a quinta, de um casal que aguardava, ansiosamente, uma menina, foi uma coisa que “já não era sem tempo!”. Já andava pegando mal para os meus pais que essa tal menina que eles tanto prometeram, não vinha. Quatro meninos nasceram antes de mim. Três deles estão por aí, vivos e muito vivos e um deles, achando tudo aqui meio sem graça (não tiro a razão do pequeno Luíz!) foi-se (ou voltou?) assim que apareceu por aqui.
Com a nossa reputação de família parideira competente, era fundamental que essa menina chegasse, então, rezaram, rezamos, eu de lá, eles de cá e Deus, em sua infinita misericórdia, apressou as coisas para que eu viesse, para alívio e júbilo dos meus pais, A Cegonha deu uma passada de olhos e falou “Fui!”. Mas, sabe como são as coisas feitas às pressas…
Vim ao mundo faltando alguns pedaços. Não tenho quase nenhuma das “mulherices” recorrentes, por exemplo. Não acho a maternidade o centro da vida de toda mulher, acho ótimo o fato do meu marido ter alguém com quem ir no boteco de vez em quando, pra falar das suas coisas que, definitivamente, não me interessam, o mesmo vale para pornografia… Acho interessante saber o que o Milton Neves falou sobre o jogo do Vasco com o América e fora das mulherices/esposices, se um amigo meu chega vestido de mulher (como já aconteceu!) elogio a bolsa e só… Sou meio “amoral”. Não vejo graça na maioria das coisas “importantes pros outros” (casamentos, formaturas, saídas do armário) e vejo graça em outras, que ninguém vê. Me sobra tolerância pra coisas “Intoleráveis” e suporto outras que são “indigestas” e me irrito com coisas que são “tão naturais”. Tudo meio na contra-mão…
Não acredito que essas coisas sejam boas ou más para mim ou para os outros. Não dou muita falta das peças que não tenho, mas tem uma peça que me falta que gera um certo espanto e polêmica, quando revelada: Não tenho saudade de porra nenhuma…
Penso em coisas e pessoas que passaram pela minha vida e nas coisas boas que elas trouxeram… Fico com uma cara de besta, sorrindo e penso no que fizemos juntas, no que elas me ensinaram, nas coisas que aprontamos juntas… Às vezes (muitas vezes!) penso nos meus mortos – que dá uma lista boa! – e no que vivemos e sinto orgulho, culpa, um ou outro arrependimento mas, acima de tudo, sinto-me privilegiada por ter passado por sua vida e, como crente que sou, sonho em um dia revê-los…
Agora, saudade, mesmo, saudosismo, aquela coisa de olhar pra trás e achar fodaparacai eu não acho… Sobre as pessoas (as vivas) que se foram, elas se foram. Ponto. As pessoas se vão… Você não serve, nem elas. Não serve como uma peça de roupa, mesmo, não no sentido de servir, de serviço… É linda mas… não serve! Não combina ou não cabe mais, ou ainda, não funciona com as que você usa hoje. Ou ainda, é você que não cabe mais no armário do outro. Ele redecorou o coração e você ficou meio fora. Enfim, não serve. O que serve, simplesmente, continua. Eu só preciso carregar aquilo que, realmente, preciso. Todo o resto, prefiro o novo, o que ainda não vi, o que me vai fazer mudar de idéia.
Detesto “Amigo Secreto”. Quanto mais “todo mundo da antiga vai tá lá”, menos eu gosto. Acho um saco isso… “Quando a gente tinha vinte anos bla bla bla”. Eu, particularmente, quando tinha vinte anos achava que sabia a porratoda e não sabia, sequer, que tinha vinte anos… Minha bunda e minha cabeça eram mais duras, sim e disso tenho, quase saudade… Não da bunda, mas da cabeça, daquela capacidade de me desapontar e surpreender com as coisas… Taí, uma coisa, pra se sentir saudade: “Não acredito!”. Ouvir coisas inacreditáveis e se surpreender com elas… E essa é, sim, uma coisa que o tempo leva. As coisas vão ficando bem repetitivas e previsíveis…
A saudade “sincera”, a saudade das mães que enterraram filhos, a saudade da perna amputada, a saudade trágica tem uma beleza, uma poesia, o “tempero” da melancolia, que torna as coisas necessárias de serem sentidas… Essa saudade eu sou capaz de aspirar, só essa e, ainda assim, com medo de certos portais…
A Saudade é usada, também, como um portal para um lugar, do qual, você pode declarar o seu fracasso e, por consequência, pedir ajuda. Um lugar de onde você pode ver o que sua vida poderia ter sido, a partir da projeção de um futuro que não aconteceu, graças a um conjunto enorme de merdas que você mesmo, porque assim decidiu, fez.
A saudade é um lugar onde aquele sujeito decadente do boteco do Cidão, alí da esquina, pode dizer que comeu a Luiza Brunet, em 1983. Com seu cotovelo esquerdo bem acomodado no balcão, cigarro nos dedos amarelados da mão direita, camisa velha entre-aberta, jeans ajustados e chinelo de dedo, conta em detalhes com “partiu Luiza no meio, 3 vezes seguidas no Carnaval de 1983”. Foi verdade? Então… teria que perguntar pra Luiza… Mas, a Luiza é uma mulher ocupada, chiquérrima, de agenda cheia…
Se a gente perguntasse pra Luiza, caso a história do Cidão fosse verídica, provavelmente, ela diria que foi uma rapidinha sem graça com o garçom… um mocinho meio besta, virjão… um sujeito que tava lá, bonitinho, já na quarta-feira de cinzas… Uma coisa que a Luiza nem comenta… Mas, a kombi lotada de fãs do Cidão, que não estava lá em 1983, continua lá, firme, a seu lado, afinal, o Cidão foi “o cara” em 1983 e tudo que existe, que realmente importa, em cada boteco de esquina dessa porra de cidade, um dia, tomou uma com o Cidão! O Cidão sempre estará por aí. É um mundo cheio de Cidões.
Acho que minha relação com a Saudade tem um toque de preconceito, como calças legging listradas e lágrimas fora de hora… Dependendo do tipo de gente que faz uso demasiado de uma coisa, a coisa, pra mim, simplesmente, não serve.
Acima disso (e aí vem um coisa muito assoberbada de se dizer!) me sinto 100% quites com os “que foram” vivos ou mortos! Os que, querendo ou não, tiveram o meu amor, o tiveram com uma verdade palpável, em ação, os que quiseram uma casquinha, tiraram sua casquinha, os que queriam uma grana, ganharam lá sua grana. Fingindo gostar de mim, fingi de volta, também, sempre quando pude, por pura misericórdia e quem tinha lenha pra queimar do meu lado está aí, sempre esteve e estará, ensinando e aprendendo, dando e tomando tranco, chorando e rindo junto… Demora um ano, mês, dia, mas esses voltam e eu volto pra eles, também.
Quanto ao Cidão? Paga uma pinga pra ele e deixa o Cidão falar… É só o que pode fazer, o coitado do Cidão…