A fruteira do Serjão

O Serjão… É o Serjão! Tentando ser um “moço humano, antes que muçulmano”, um cara que tem tentado, mesmo, tem um tempão, deliciosamente aos berros, sem camisa, na frente de todo mundo. Mas eu não vou descrever o Serjão sob o risco de rasgar seda demais e parecer muito sincera… É um sujeito sensível ele! E pode me mandar à puta que o pariu…

Mas ele sabe um monte de coisas! Umas que ele leu, outras escreveu, outras inventou ou viveu ou se lembra delas, sem tê-las vivido, coisas que não lhe servem pra grande coisa mas pra mim… Ah, eu adoro! Eu me delicio! Eu vou dando corda, provoco a fúria dele pra me deliciar naquele humor horrível! Que delicia, que livre o mau humor dele! Chega a ser suspeito! Só mesmo um cara muito alto astral poderia carregar com tamanha propriedade, tudo aquilo de certeza que estamos fodidos.

Eu não falo dos meus problemas com o Serjão! Eu levo comigo o que tiver comigo, a diabrada toda, sem filtro e ele é tão generoso… não… não é essa a palavra. É uma palavra que não tem, um adjetivo pras raríssimas pessoas que não dizem “Você tem que ser feliz!” e essa coisa sem nome me eleva a um estado de felicidade que eu só experimento assim, por pura rebeldia. Daí, a minha solidão vai queimando como um insenso, um insenso lá na outra sala e acaba.

Dia desses eu pensei em mudar de espécie! Essa me pareceu uma ideia brilhante quando parecia autêntica, minha. Mas não é! Eu contei pro Serjão, enquanto ele procurava a cerveja na geladeira com a luz apagada: Eu tive uma ideia que já passou! Mas eu tive! Eu pensei em virar uma planta! Eu estava doente e não conseguia comer e tomei líquido! Tudo líquido! – “Onde tá essa porra?” diz o Serjão, saido da geladeira pra acender a luz – Tudo que me mandaram tomar: água de coco, sucos, água… E, então, todas as pessoas e principalmente as que querem que eu seja feliz começaram a dizer que eu tinha que comer, tinha que comer! Pra ficar viva, saudável e, principalmente, feliz! Daí, a médica – recém eleita “minha médica”- me disse “Não! Não precisa comer! Não tem fome, não come!” e aquilo me deu um estalo! ‘não precisa comer’… ‘não come’. Não como! Não como nunca mais! Só líquido! Daí, eu vou virar uma planta! Migro de espécie! Espécie de merda a nossa – “Puta que pariu!”, disse o Serjão, sobre o negócio que tropeçou na geladeira – Daí, habibi, ninguém, nunca mais, vai me pedir um caralho! Nem me encher o saco, nem querer que eu me foda! E ele, vindo com a cerveja na mão, aquele andar arrastado dele, sem me olhar com cara nenhuma, diz “Mas, aí você está partindo da premissa de que as pessoas notariam! Isso é querer demais!” e eu comi tudo que ele botou na mesa: um leguminho árabe que não me lembro o nome, queijo, rabanetes e pão!

Ouvimos música clássica, ele tocou piano enquanto eu fazia xixi, cagamos de rir de coisas bem bestas, esculhambamos pessoas, certezas, mentiras boas, verdades de merda, vimos o jogo, o Corinthians ganhou (O jogo e o Campeonato, por que não dizê-lo?), o Serjão gritou “Vai, Curintia!” e eu vim embora, toda despedaçada, tudo de verdade, tudo pra fora… Tudo que eu tenho que enfiar no meio de algum Atlas aqui de casa, pra poder ir ao banco, ao médico, ao trabalho, à merda…

Eu fiquei doente, muito doente e desejei, quase que de verdade, abandonar a minha própria espécie devido a um estado, que parecia irreversível, de exaustão com pessoas cu. Não tenho o adjetivo adequado também e não vou descrever por pura preguiça. Pessoas cu me dão vontade de virar uma Samambaia qualquer e, dessa vez, cheguei bem perto. Mas, na cozinha do Serjão, enquanto ele explicava uma coisa qualquer, que foi engolida por ele, com aquele vozeirão de Deus Hollywoodiano, me convencendo, sem querer, de sei lá o que que uma hora eu vou lembrar e vai ser foda, eu olhei pra fruteira do Serjão e elas estavam todas lá! As pessoas cu, em forma de bananinhas inofensivas… Estavam todas lá, passivas, bonitinhas, de ladinho, as bananinhas! Chego até a gostar um pouquinho delas!