Trabalho no Exterior – Preconceitos e Surpresas

Eu sempre gostei de brincar com a Língua Portuguesa e minha “flexão livre” predileta sempre foi “udo/uda” e costumo dizer que sou uma Brasileira Brasileiruda!

Sol, samba, futebol, simpatia, miscigenação, tudo isso me encanta desde sempre e, depois de tanto tempo envolvida com a Dança do Ventre e Cultura Árabe, digo que sou uma brasileira “com tahine” (tempero típico da culinária árabe) e, sempre e cada vez mais, brasileira. E, a cada viagem que fiz, essa identidade se fortaleceu mais e mais.

Na primeira vez que viajei descobri que, na hora do “Where are you from?”, nossa resposta gera um imediato “Brazil!!!” (com z, pontos de exclamação e um sorriso). Hoje em dia, quando me perguntam, já me adianto nos pontos de exclamação e sorriso! Somos, aos olhos gringos, criaturas exóticas e divertidas! E tudo bem, vai…

Nos bate-papos pela Europa, algumas confusões (Salsa, Tango, Carlos Menen, pra citar algumas) e repetições (Rio, Ronaldo, Favela, Biquíni) e confesso que num dia muito frio, trabalhando, arrastando malas, cansada, às vezes, me falta paciência.

A visão da mulher brasileira (bonita, vaidosa, “caliente” e, por associação, vulgar, fácil e similares), existe, sim, infelizmente, mas me defendo bem, sempre me defendi. Pela natureza da minha profissão, passo por isso aqui no Brasil também. Sem novidades.

Tem, também, a “pena do Terceiro Mundo”, tratamentos que insinuam isso e um certo receio de estarmos “loucos pra viver na Europa”, que faríamos qualquer coisa para tanto, que estamos por lá procurando por um “Príncipe de olhos azuis”. Daí tem que explicar tudo de novo. “Não, não, obrigada! Eu tenho uma vida maravilhosa no Brasil! Sim, sim, é possível! E não tem serpentes e macacos pela rua…”, etc…

Armada de meus preconceitos, casacos e impressões, lá fui eu em turnê: Paris, Amsterdã, uma passada em Bruxelas para um Festival Internacional de Dança do Ventre e uma cidadezinha no interior da Alemanha. Aulas e Shows. Descobri uma coisa nova, redescobri, me lembrei dessa coisa, que essa coisa, inclusive, não é nova, não: As pessoas são as pessoas e não onde elas nasceram e fui aceita e muito bem tratada na casa de uma Senhora muito culta, viajada, Judia, religiosa, de família francesa tradicional, lugar onde eu jamais teria coragem de me oferecer para ir (detalhe: eu sou Muçulmana!). Ficamos amigas, tomamos vinho madrugada adentro, ela quis saber de mim, da minha vida no Brasil, da minha conversão ao Islã, me mostrou uma Torá, falamos até sobre a paz entre Judeus e Muçulmanos (Ela, inclusive está envolvida em projetos nesta direção) e foi um encontro muito, muito especial. Mas, infelizmente, aconteceu o que eu temia, sim, nesta cidadezinha do Interior da Alemanha, fui tratada pela minha contratante como “A possível garota de programa do Terceiro Mundo”, com todo o preconceito e desrespeito que eu tanto temia. E ela era brasileira. Brasileiríssima!

A Dança do Ventre do Brasil

A Dança do Ventre veio para Brasil com os árabes, atraídos pelo comércio e, atraídos por eles, outros árabes: libaneses, sírios, iraquianos e os músicos, simplesmente, apareceram. Onde há família árabe, há festa, onde há festa, música e sendo a música árabe, dança do ventre e foi assim que tudo começou no Brasil, em São Paulo, nos anos 70/80. Por todo o Mundo, atualmente, bailarinas brasileiras trabalham e são referência, e, apesar da diversidade étnica e de estilos, há um consenso que há uma “Dança do Ventre Brasileira” e que esta tem algo de especial.

A Dança acontecia em festas e restaurantes árabes, depois em Grandes Eventos (promovidos, também, por brasileiros), surgiram bares e restaurantes com apresentações regulares e, com esta demanda, surgiu o mercado de aulas e Festivais, teve a novela “O Clone” e, com a moda, escolas, Eventos e o Mercado de Dança do Ventre atual, com Festivais Internacionais, patrocínio, etc.

E então nos perguntamos por que o Brasil? Porque o Brasil sempre teve capacidade de absorver outras Culturas, porque as mulheres brasileiras são femininas, bonitas, sensuais, porque virou moda? E então, procurando respostas, fui pro Cairo.

Eu me senti deslocada em diferentes fases da minha vida, no Magistério, no Piano, na Letras, na família “de homens” onde cresci e ser adolescente nos anos 80 não foi nada fácil. Cresci e fui ver o mundo, sozinha mesmo, já havia descoberto que as pessoas são únicas e não tinha mais o desejo adolescente de “não ser diferente da maioria”.

Assim, “deslocada”, “diferente”, me senti na Europa, com “alguma coisa fora do lugar”, a pele, o cabelo, o sorriso, a altura, tudo ou quase tudo em mim era só eu quem tinha, por onde quer que andasse na rua e, no Cairo, nos passeios pela periferia, nos ônibus, indo sozinha ao Supermercado e tendo contato com as pessoas comuns e não somente as treinadas para atender ao “gosto ocidental”, de um certo modo, me senti em casa. Nada de respostas. Fui de novo, mais um mês… Quase, quase… Nos parecemos fisicamente, no astral, no gosto pela conversa, amamos futebol, gostamos de festa.

De volta ao Brasil, a pergunta gritando dentro de mim, fui ouvir o baião, o aboio, o repente e lá estava ele: O ritmo, o molho, a África, a colonização árabe no Nordeste, a mistura, o cabelo duro e descobri (especulei, inventei, decidi, sei lá) que a mulher brasileira e a Dança do Ventre é um reencontro, uma mulher brasileira e uma egípcia se parecem mais do que uma brasileira e uma européia ou uma egípcia e uma indiana, algo muito especial e ancestral no liga.

Especulações à parte, dê uma boa olhada nas ruas do Cairo, tire os preconceitos e os lenços e você irá encontrar seu sorriso, o seu olhar, entre os rostos daquelas mulheres. Voltando ao Brasil, vá a uma quadra de escola de samba ver as egípcias sem lenço, nem preconceito, nem pudor. É tão lindo!