No começo foi assim

Quando a gente tem 20 anos, saindo da adolescência, se sente ficando velho pela primeira vez. Eu senti. Depois de novo aos quase 30, depois com uns trinta e cinco e, por incrível que possa parecer, passa. E esse sentimento, esta sensação de urgência, muitas vezes é o que nos move. Foi assim que comecei a dançar. Porque “já estava” com 21 anos e precisava fazer alguma coisa para cuidar do corpo. E foi neste exato momento que encontrei uma amiga minha tinha ido à Khan El Khalili (Casa de Chá, em São Paulo) e, numa conversa sobre isso, sobre estarmos precisando ter um carro, um emprego, um namoro sério que surgiu essa questão de cuidar do corpo. E ela disse “Jade, eu achei esse lugar a sua cara!.. Eu vi que lá tem aula de Dança do Ventre!” e me deu um cartão.

Eu tinha acabado de arrumar um “bom emprego” e folgava às quintas. Na minha primeira folga, com o cartãozinho na mão fui até lá.

Tinha uma aula que começava às duas e eu podia experimentar! Como eu era meio “hippie”, a roupa que estava usando (saia comprida e blusinha) era adequada para a aula.

Entrei pela primeira vez no Harém da Khan El Khalili e fiquei aguardando a professora.

A professora: Layla. Treze tatuagens no corpo, cabelo vermelho merthiolate, blusa de onça, micro saia e cuturno. Olhos grandes e verdes e voz de veludo.

Me lembro, claro como se fosse hoje, da primeira música que ouvi. Era “Wa eh yanni”, do Omar Diab. Era a música do aquecimento.

Na minha turma, mulheres exóticas, tipos que eu nunca tinha visto fora da TV, na distante periferia onde nasci e fui criada, na Zona Leste de São Paulo.

O cheiro de insenso, a Layla, aquela música… Parecia um sonho e, ao mesmo tempo, uma coisa que sempre havia estado em minha vida, uma confortável e inédita sensação de “pertencimento” de estar em um lugar que era adequado pra mim, que combinava com as minhas roupas, com o meu cabelo, com as coisas que eu julgava belas. Eu não sabia o nome daquilo, mas era o “Mundo Árabe” entrando de maneira sutil e definitiva na minha vida.

Naquele dia comprei fitas K7 (Henkesh, Omar Diab, George Abdo e Najua Karam). Ao chegar, antes de entrar em casa (embaixo de casa era a Imobiliária do meu pai) pedi para o meu pai comprar um espelho pra mim! Subi com o espelho na mão “Mãe, me ajuda aqui!” afastei uns móveis, botei o espelho na parede, um tapete no chão e nunca mais saí de lá.

Não tinha nenhuma intenção de me profissionalizar, sequer pensava nisso, mas a dança me dava muito prazer, vi naquele espelho uma beleza que eu não tinha visto antes.

A Layla me disse, lá pela terceira ou quarta aula: “Você será uma bailarina brilhante! Queira ou não, é uma coisa que tá em você, na sua vida! Você tem que estudar bailarinas egípcias, seu estilo é egípcio e não tem nada a ver com o que a gente faz aqui!” Eu não sei bem se acreditei ou não, sinceramente mas sou um tipo de aluna que, se eu confio na professora eu faço o que ela manda e ponto. Me levou na casa da Samira (Samia) e no Omar (Naboulsi) e comprei vídeos pra estudar: Fifi Abdo, Mona Saaid e alguns vídeos que eram “moda” na época.

Estudava todos os dias, ainda estudo muito. Porque gosto, mais do que porque preciso, estudo tudo que posso, arte, idiomas, política, esculpo, pinto, escrevo, porque gosto. E vou dizer exatamente o que foi que aconteceu: De tanto me dedicar aprendi e, de aprender meu telefone começou a tocar. E, 19 anos depois estou aqui, contando essa história absolutamente real.

El Tarab…

Nada que diz respeito ao Mundo Árabe é possível de ser colocado em um envelope, lacrado e etiquetado. Política, Religião e Tradição se entrelaçam o tempo todo. Dentro da Tradição, existe a Cultura e, dentro da Cultura, a Arte, ainda entrelaçada com estas “outras coisas”, assim são a música e a dança árabe: Tudo depende… É Tarab? Depende… E este é um bom jeito de começar a ensinar, explicando que não será possível aprender uma coisa só. “Só Tarab” ou “Só Religião”, não, não dá…

Existem alguns cantores e compositores que trabalharam somente dentro deste “ambiente”, como é o Caso da Oum Kalthoum. Tudo que Oum Kalthoum canta é, obrigatoriamente, Tarab, por ser ELA cantando, então, qualquer música que tenha sido cantada pela Oum Kalthoum é Tarab? Não, não é. Se for feito um “remix” de uma música, tirando dela características originais de arranjo e composição, bem como somando outras, pode ser que permaneça sendo Tarab ou não.

O que não é Tarab? Esta é fácil!: Folclore, fusion, shaabi, moderno, Ocidental. O que é Tarab? É um Universo, é uma Sensação, é um “Elevar-se”, é um Portal, um portal que não pode ser visto de longe, é uma fonte, uma fonte que não aceita cantis, uma fonte onde somente é possível mergulhar ou admirar de longe, muito longe.

Há alguns bons anos, uma bailarina dançar um “Tarab” seria a mesma coisa que a Carla Peres fazer uma performance com uma música do Paulinho da Viola. Não agradaria nem aos fãs de Paulinho, nem de Carla Peres, seria o cruzamento de dois Universos, até então, Paralelos. Até que Suhair Zakie decidiu incluir músicas da Oum Kalthoum em seu Show e, como é comum às grandes estrelas como a Suhair, passou a ser permitido. Assim é a Dança do Ventre: Uma estrela autoriza e todas nós, “mortais”, podemos experimentar, como foi o caso da Fifi Abdo com Shishas e insensos, como foi a Dina, com relação aos figurinos, Madame Suhair Zakie, para nossa sorte disse “Sim, pode!” e, agora, pode.

Depois de algumas discussões sobre o Contexto Histórico destas composições (discussões sobre História e Geo-Política no Oriente Médio, bem como língua árabe), em sala de aula, podemos seguir alguns passos para, absolutamente nuas, mergulharmos nesta Fonte e, quem sabe, experimentar este mistério que é o Tarab…

A LETRA

Eu e, por consequência, as bailarinas com quem trabalho (de quem sou professora ou orientadora), no caso de músicas cantadas, partimos da letra. Conhecendo algum “Vocabulário Romântico” em árabe já é possível ter uma ideia do que se trata a letra, este conhecimento, somado à uma mão do nosso “Senhor Google” e Voilà! É possível ter uma ideia do que se trata a canção. Com a letra na mão (ou seria no coração?) partimos para coisas mais técnicas.

ESTRUTURA DE COMPOSIÇÃO DE MÚSICAS TARAB

Existe uma Estrutura “mais ou menos fixa” nas composições que é a seguinte:

– História

– Detalhes da História

– Lamento

– Solução/Resignação

Esta forma (exceto pela primeira e quarta partes) não é, necessariamente, linear. Às vezes, há a história, detalhes, lamento, mais detalhes, repetição da história, etc…

Existe, por convenção, nas composições Tarab, a supervalorização do Virtuosismo e do Improviso, portanto, no momento da execução, uma composição que tinha, originalmente 20 minutos, passa a ter 40, 50, porque “o clima” ou “o momento” impulsionaram músicos a estender um Taksim ou um Mawal. Mais uma vez, “Depende”.

Já temos a letra “dissecada”, separados os “Quatro Momentos”, portanto, já podemos pensar em técnica.

Quais são os instrumentos que fazem os “Taksims” (Improvisos)? Como estes instrumentos devem ser interpretados ? Qual a diferença entre um “Violino Lamento” e um “Violino contando a história”? E, a medida que conhecemos melhor a música, a dança vai se formando dentro de nós.

TÉCNICA RECOMENDADA

Técnica recomendada seria a mesma coisa que “Gramática recomendada”. Se a pessoa que escreve não tiver uma “boa ideia”, não há gramática que dê jeito! O que é a expressão a final? Etimologicamente falando, é a “ação de demonstrar uma coisa implícita” se falarmos de sentimento, o que é a expressão na Dança do Ventre? É a ação de demonstrar um sentimento, certo? Então, se o sentimento for “não tenho ideia do que estou fazendo”, esta será a expressão, da mesma forma que, se o sentimento for “é uma delícia dançar”, isto será o que “está na cara”. Então, a técnica é uma coisa que se usa para expressar uma ideia (qualquer técnica, qualquer ideia)…

Uma menina pode dizer à outra “Eu gosto dele, sabe… mas tipo… sei lá, me faz tipo meio mal… eu queria sair com o cara mas… daí depois eu fico, tipo esperando que, sei lá, ele venha atrás de mim… sei lá… eu…”, e a Clarice Lispector disse “Gostaria de poder continuar a vê-lo, mas sem precisar tão desesperadamente disso!”. O sentimento das duas é o mesmo, mas a Clarice tem “Técnica para Expressá-lo”, a outra menina, não. Então, posso afirmar que não há sentimento que fique belo em sua revelação, sem que haja técnica para revelá-lo.

E, já que falamos em etimologia, o que é “revelar”? É “velar uma vez mais” para que a coisa possa ser vista, como se você tivesse a sua frente uma maçã invisível que, coberta com um véu, através do véu, fosse possível ver, sutilmente, que ali há uma maçã! A “Revelação” implica em um tempo e um desejo do interlocutor, de ver o que está sob o véu, é uma coisa diferente de “mostrar”, mostrar é uma coisa para se fazer “em sala de aula”, “isso aqui se faz assim!”, para o público (o Publico!!! Eles sim, eles é que contam!) fazemos “revelações” e não “demonstrações”. Isso é Dança do Ventre! É desafio, exposição, revelação, é Tarab, sou eu, você e todos os ventres do Mundo. Ensinar? Tenha a confiança de suas alunas, se entregue a elas e aperte, aperte, aperte, que sai!

Aluna? Professora? Ou seríamos, todas, os dois?

Tem duas frases que explicam muito do que eu sinto sobre o Magistério: “Só aprende quem ensina e só ensina quem aprende” (autoria desconhecida) e “A única via eficiente de transmissão de conhecimento é a afetiva” (esta, de minha autoria). Ou seja, pra ser uma professora “razoável”, 1 – Tem que continuar aprendendo e 2 – Tem que ter amor pelas meninas. Partindo destes dois pontos é que vem todo o resto!

Quando a menina está pronta pra dar aulas?

– Quando tiver (muita!) gente pendindo “Me ensina!”

– Quando ela tiver um conhecimento “Amplo” sobre DV (até mesmo sobre os assuntos que não domina com propriedade, para que possa reconhecer e indicar quem o domine, de acordo com os questionamentos que surgirão de suas alunas).

– Quando “Mamãe dizer que pode”. Isso, pra quem tiver uma “mamãe”.

Entretanto… O que leva uma menina a querer “virar professora” costuma ser um outro – paupérrimo! – argumento: “Levantar uma graninha pra ajudar a bancar a Dança do Ventre”. Já pensou se a moda pega? O sujeito que faz medicina, por estar gastando muito com sua formação “resolve virar médico”? E esse é um ponto do texto que alguém vai dizer “Ah, mas não tem nada a ver!” Pois é… tem sim! Pra mim, tem! Se eu fosse médica, administraria minha carreira, exatamente, como administro: Com profissionalismo e seriedade, me mantendo atual, sem abrir mão das “técnicas tradicionais” que acumulei no decorrer da minha experiência…

Vou brincar com a analogia do médico: A bailarina que tem “Naima Akef Centrismo” é como um médico que deseja trabalhar com Lobotomia e Sanguessugas em 2013. Simples assim! Tem que saber quem é a Naima, conhecer a técnica dela, estudar, adaptar o que ela fazia ao seu corpo e ao seu tempo. E mando outra frase de efeito: “O artista que não é de seu tempo não está em tempo algum!” (não me lembro onde ouvi) e um trecho de uma música da Oum Kalthoum que a Suhair Zaki cita em uma entrevista: “Se você quer voltar aos velhos tempos, pergunte a eles se ele podem voltar!” (e essa é muito boa!).

Então, aquela aula “Sente a música e segue aí!” é a “nossa Sanguessuga”, já foi! Foi legal! Ensinou muita gente mas… Foi há muito tempo, agora, é uma outra coisa! A aluna joga um negócio que você cita no Google e na semana seguinte traz mais informações do que as que você mesma tem… E daí? E daí que, se “na casa dela, sem gastar um real” ela tem “o mesmo que você”, você perde uma aluna e ela está certa e seguir seu rumo! Se”o seu rumo” for um devaneio da aluna, melhor ainda pra você! Você ganha em perder!

Uma vez, no exterior, dei uma aula (polêmica…) teórica sobre Oum Kalthoum e uma aluna disse à contratante que “tudo que eu havia dado na aula ela poderia encontrar na Internet” e eu disse “Peça a ela, por gentileza, mandar os links que eu devolvo o dinheiro dela e da turma inteira!”. Bom… Europa, foi literal! Ela disse, mesmo, à menina e esta, nos dias que se seguiram, me escreveu, pedindo desculpas. E a sua aula? É sua? O que você chama de “pesquisa”? Vale refletir…

Eu acho que nasci para o Magistério! A primeira coisa que eu quis ser na vida foi professora! Nesta minha “fase bailarina” eu dou aula de dança, quando esta passar, darei aula de outra coisa mas eu, particularmente, preciso ensinar, se não eu explodo, eu acumulo demais, não cabe em mim, eu tenho que passar, é um dom, mesmo, ao qual sou muito grata! E, mesmo acreditando nisso, quando me convidaram pra dar aula pela primeira vez (o que eu achei ótimo porque, se Dança do Ventre é caro hoje, vocês não imaginam o que era esse “caro” há 20 anos atrás!) e eu liguei para minha (eterna, única, insubstituível) professora, a Layla que me disse: “É cedo pra você, Jade!” eu insisti! “Mas a moça quer!” e ela “O que é seu nesse mundo é só seu e te aguarda!” eu perguntei “Quanto tempo eu preciso mais de aula?” e ela disse “Um ano! Peça pra ela te ligar de novo daqui há um ano!”. Eu, confesso, meio frustrada, sem botar muita fé, liguei pra moça e disse exatamente o que a Layla mandou dizer. Um ano depois, a moça me ligou de novo e foi como eu consegui meu “primeiro emprego na Dança do Ventre”. Com mais de 6, 7 anos de Magistério mais a “bênção” da Layla. Fui lá: confiante, com uma professora que eu amava e que me amava também para me orientar neste início. Eu comecei assim!

E como foi que eu banquei a Dança até “o dinheiro começar a entrar”? Trabalhando, ué! Do jeito que as pessoas da minha classe fazem para aprender as coisas… Trabalhando, economizando, tendo prioridades…

Eu vivo de Dança do Ventre há apenas 6, dos 22 anos que eu danço. Por que? Porque, como conta minha mãe, a primeira coisa que eu disse na vida foi “Eu não quero!” e pra poder dizer tantos “Eu não quero” (não vou, não faço, não gosto…) que eu disse – e continuo dizendo! – na minha carreira, eu precisava de uma fonte de renda porque, com o Sapato furado você tende a “topar” muito mais do que com a sapateira em dia (e aqui, caberia uma “piscadinha”!).

Já crescidinha, durante o exercício de minhas diversas profissões, queria ser musicista, estudei piano, canto, queria ser regente… Só que a sociedade está “andando” pro que você gosta ou deixa de gostar de fazer! Ela te paga pra fazer o que você faz bem! E é por isso que eu sou bailarina! Porque danço direitinho! Olha que simples! A música? O que sei sobre música (foram 7 longos anos de conservatório pra “nunca ter pisado num palco pra tocar”!) é o que nutre minha personagem, é o que “assina” a minha dança, então, não houve o “tempo perdido” e eu continuo envolvida com música, canto uns bolerões em família, “tiro uma onda”, virou diversão, atividade “extra”. Agora, se eu dou aula de música? Não, claro que não, por razões muito simples: O que sei não é suficiente, tem gente muito melhor que eu pra ensinar isso, porque não tenho “Campo” e porque não faria aula de música comigo mesma!

E lá vou eu falar de opinião de novo! Esta é SÓ a minha opinião! Acho que a menina tem que se questionar, sabe? E, de onde tirar o dinheiro que se gasta com Dança do Ventre? Do seu bolso, oras bolas! De pessoas que desejam aprender um negócio que você ainda não está pronta é que não deve ser!

A Garota da Capa

E então a Rhazi me ligou e disse “Quer ser capa da Shimmie?” e eu, no primeiro suspiro durante o processo todo fiz minha primeira descoberta: Não, não sabemos o que queremos, não! Porque eu fiquei numa felicidade tão imensa e era uma coisa que eu, simplesmente, não havia reparado: Sim! Eu queria ser capa da Shimmie!!!

E vieram as Celebrações! Na sexta-feira, 7 de junho pp, no Núcleo Ju Marconato em Araraquara. A Ju é linda e dança Dança do Ventre muito bem. Então, nos perguntamos “tá, o que mais?” e, tendo visto o nascimento de algumas estrelas, me pergunto sempre o que mais e a resposta é uma só: Autenticidade. Quando um artista faz o que acredita (porque leu, inventou, decidiu, aprendeu, não importa!) a coisa vai! Mas tem que ser de verdade! Crer numa coisa é uma atitude com relação à coisa e não um sentimento! A Bíblia diz que a fé sem obras é vã e a fé sem preces é vã! Crer, até mesmo em Deus que ouve seu coração é uma coisa que tem que te levar em algum lugar! Assim, a menina que “acredita numa coisa”, vai nela à fundo e eu não estou falando nem do Google nem de PNL! Estou falando de ralação, de investimento de tempo e dinheiro, de horas sem TV. Autenticidade com investimento alto! Aí vai!

Certa vez, uma menina veio fazer uma aula particular comigo e disse “Meu ‘problema’ é a Fulana! Na minha cidade, só querem saber da Fulana! O estilo da Fulana bla bla bla…”. Depois de deixá-la desabafar, olhei para o relógio e disse “Olha, ela nunca foi minha aluna, mas se estivesse aqui, eu apostaria minha perna direita como não estaria falando de você há 20 minutos!”. E essa foi a primeira vez que eu ouvi o nome “Juliana Marconato”. E uma única noite com ela me fez entender o que essa moça tem “de mais”.

Muitos beijos, abraços, declarações de amor, em um lugar belíssimo, com comidinhas quentinhas e cerveja gelada! Sorrisos e gentilezas aos montes, entre todos nós. Simplesmente, perfeito! Impecável e de bom gosto!

E, já que eu estava assim, tão “em alta”, decidi me arriscar um pouquinho, só pra dar uma “Reclimada” no meu modo Garota da Capa e, aproveitando o lançamento da Revista no meu estúdio, fiz um Vernissage pela primeira vez, apresentando gravuras, telas e esculturas, que produzo desde 2001 e nunca havia exposto! Acho que eu precisava que gostassem de mim de outro jeito e queria correr o risco de não gostarem! Lição 2? Ai, como eu queria que gostassem!!! Vinho, música, frutas secas, meus melhores amigos, alunas, convidados muito mais que VIP´s (daqueles que não vão a parte alguma!) e (ufa!) eles gostaram!

Gostaram tanto que, além de elogios e delicadezas no Livro de Visitas, vendi duas telas! Primeira colherada de sucesso nas Artes Plásticas! Sucesso é quando querem comprar uma ideia sua! Para minha sorte, ambas foram adquiridas por amigas muito queridas e foi um grande alívio saber onde elas vão morar!

Domingo, 9 Noites no Harém, no Sagrado Harém da Khan El Khalili! O Jorge (Sabongi) me recebe de braços abertos, olhos azuis arregalados e um sorriso que recheava a cara: “Jadiskão! (pois é… ele me chama assim!) E aí, Superstar?!” e me dá aquele (aquele!) abraço! Adorou minha entrevista, adorou a foto de capa, diz que dá vontade de ler mais, diz “o volume 001 do seu livro é do Habibi!” e eu penso (Lição 3 a caminho!) “É… é a aprovação do Jorge… é legal, né…” (rs…).

E tudo isso, desde a porta da minha casa a caminho de Araraquara, na companhia das gatinhas da Shimmie Rhazi, Dani e Josi e este é um parágrafo à parte! Que delícia! Que deleite! Mulheres inteligentes, cheias de humor e de estilo, educadas, discretas, um arraso! Do telefonema da Rhazi ao abraço de despedida das meninas no Jardim da Khan El Khalili foi, literalmente, só alegria! E uma alegria que não é pra “quebrar o galho”, uma intimidade que não é pra “troca de favores”, são coisas espontâneas, naturais, que brotam entre pessoas que têm espaço para receber, desejo de doar, é um bálsamo nesse mundo oco em que vivemos agora! E me lembrei de uma coisa fácil de deixar de lado, mas, sem a qual esse mundo se torna insuportável: As pessoas são boas! A maioria delas é, sim!

E, ao contrário do que poderia parecer, o último final de semana, para mim, foi uma lição de humildade! Descobri que todas (ou quase todas) nós quer, exatamente, as mesmas coisas, todo mundo quer ser amado, aprovado, viver cercado de pessoas boas e todo menina quer, um dia, ser a Garota da Capa!

Visual – Tradição, mito e modismo

O visual da bailarina árabe é e sempre foi moda. Nos anos 50, era aquela estética “pin-up” (cabelo curto, enrolado pra dentro, carinha de menina e beicinho). Assim faziam Samia Gamal e Marilyn Monroe. Nos 70, cabelão “fofo”, feito no bob, sobrancelha quase depilada e delineador carregado – assim eram Aza Sharef e Catherine Deneuve. Nos 80, era o horror! Cabelo pigmaleão, tudo bufante, tudo fofo, tudo sintético; assim eram a Fifi Abdo e o resto do planeta (engraçado como moda “feia” anda mais rápido e mais longe, não?). Nos 90, uma confusão! Um pouco de vontade de voltar para os 70, somada a um “chute” do que seriam os 2000… tudo era “meio New Wave”. Assim era a Dina e também o resto do mundo.
Ou seja, o “visual tradicional” é mais um mito. Nunca existiu! E a moda é o que sempre foi: vai quem quer! Nós artistas? Bom… no nosso caso, “vai quem quer ter sucesso”, porque “enfiar o seu desejo goela abaixo do seu público” é que não vai funcionar, mesmo! Eu vejo pela rua pessoas vestidas de “sei lá o quê” e acho legal! Que legal que a pessoa veste o que quer, mas só vai até aí… até o “Que legal!” e ponto.
A estética atual é quase Drag Queen! Eu percebi isso há alguns anos, vendo um Carnaval Gay na TV. Parecia um Festival de Dança do Ventre! De repente a ficha caiu! É a estética do “ou tem ou compra” (cabelo, bunda, peito, pele etc.). Assim somos eu, a Beyonce, a Dina, a Madonna. É uma escolha estética. É um direito ao uso do próprio corpo.
Eu gosto! Eu gosto muito! Eu acho que se uma mulher como eu não puder fazer o que bem entende com o corpo, sendo livre, artista, polêmica, feminista e feminina, que será das “mulheres comuns”? Hoje em dia, somos atendidos por médicas e advogadas que têm silicone, megahair, tatuagem, piercing… é moda! Ainda e de novo… é moda!
Quando a Dina veio ao Brasil, em 2005, ficou muito impressionada com a qualidade das alunas aqui e fez dois comentários: “se as brasileiras aprendessem árabe, não teria pra ninguém!” e “por que vocês usam roupas dos anos 90?”. Eu, muito atenta e sempre “louca pela Dina”, parei pra pensar sobre isso e, em mim, suas palavras causaram um “impacto” muito grande. Nestes nove anos eu “reinventei minha personagem” e aprendi árabe direito (hoje falo com fluência, graças a Deus!) e, a partir desta reinvenção, tive mais sucesso e, consequentemente, passei a ganhar melhor.
Então, eu não engordo, não uso roupas “noventistas” (franjas, mangas, coroas, coisas passando pelo corpo, coisas “fofas”, em geral), e gasto uma porcentagem bem alta do que ganho com meu cabelo, pele e alimentação, pois percebo que isso é bom para mim! Então, a estética boa para mim é essa que vocês estão vendo: peitão, pernão, cabelão, roupa colada no corpo e, claro, continuo estudando e aprendendo todos os dias, porque esta “reforma”, se tivesse sido feita “só do lado de fora”, teria tido o efeito contrário, eu teria “piorado”, teria “perdido a essência” e sabe-se lá mais o que teriam dito. Quando uma menina decide mudar, tem que mudar de dentro pra fora!
E tem também a questão da idade! Se uma menina de 20 anos engordar, dirão “Fulana está gorda!”; se eu engordar, dirão “A Jade está velha!”, e eu sou muito mimada por esse mercado! Minha autoestima não toleraria uma “rejeição” dessas e iria influenciar em meu trabalho.
Eu não só “concorro” com meninas 20 anos mais novas que eu, como também, com meninas que cobram metade do que eu peço (ou menos, ou nada; algumas até pagam, que eu sei!) e não sou a pessoa “mais diplomática do mundo”, muito pelo contrário. Esta minha “autenticidade” me custa bem caro! Então, a mim, que sou ruim de política, de jeitinho, de diplomacia, e exijo mais que a média, tanto de alunas quanto de contratantes, me resta estar sempre no meu melhor estado! O seu melhor estado é aquele que te faz sentir confortável com você mesma, com a roupa que você deseja vestir, executando a técnica que você escolheu. Então, há que se “buscar este estado” e mantê-lo! Tem gente “do lado de fora” que não entende bem isso, que me vê dizer “não” para algumas guloseimas, comentar “Hoje eu não como, porque à noite tenho Show!”, e brinco, digo, “Olha, segunda-feira, você estará de pé às 7h! Eu durmo até as duas! Você tem ‘bônus’, seguros, ticket. Eu não! Uma juíza não pode ter tatuagens nas mãos. Eu tenho. Ela pode pesar 120 kg. Eu não!”. É meu trabalho, meu trabalho exige e pronto. Tanto quanto exige que eu dê aulas de 6 horas, depois de voar por três, tendo acordado às 5 horas da manhã, tudo isso de bom humor, maquiada, com a aula na ponta da língua! Eu concorro (e muito) comigo mesma! O show de amanhã tem que ser muito melhor que o de ontem! Na técnica, na essência, na estética, em tudo que pode ou não ser avaliado, especialmente, por mim!
O que eu acho de bailarina gordinha, de cabeça raspada, de dread, roupas dos anos 90 etc? Eu acho que todos nós temos direito de escolher a “cara da nossa bailarina” e ir atrás disso, porque esse papo (furado – já falei muito disso ultimamente!) de Sentimento OU Técnica, como se fossem coisas opostas, como Beleza OU Técnica é só isso mesmo, papo furado! Porque “o cara que paga a conta” está “andando” (gerúndio que mantém o nível deste texto!) pros seus sentimentos ou aulas ou genética, ele quer TUDO e é esse tudo que eu quero oferecer! Tem gente que me ama, tem quem odeia também, mas a turma do “ama” é a que me importa. É para eles, somente para estes e para os que “vêm abertos” que eu trabalho, que eu danço, que eu escrevo.
E, principalmente, pra você que, mesmo com um ou outro engasgo, chegou até o final deste texto e, quem sabe, querendo, possa também se reconstruir (primeiro dentro!) e gozar no final!