ENTREVISTA

1 – Como você analisa a questão da Fama na Dança do Ventre?

A fama é a fama. Na Dança do Ventre, na Música, nas Artes Plásticas e é, em parte, resultado imediato do sucesso profissional, a “outra parte” é que varia muito, existem vários tipos de “fama” e, pelo que eu percebo, também nas outras artes, sua duração varia muito, de um único Evento a uma carreira inteira.

O que garante sua durabilidade é a autenticidade da “coisa” do Artista.

No “nosso meio”, temos pessoas famosíssimas que sequer pisaram em uma sala de aula! São os “formadores de opinião”, são os que “estão em todas”, os que “se fazem perceber” e temos artistas brilhantes que são bem discretos, especialmente a “Velha Guarda” que faziam parte de um “Mercado exótico e underground” e não gostaram da ideia deste mercado ter-se tornado, também, “Uma moda ditada pela novela das nove”. Algumas meninas se retiraram, elegantemente, neste momento.

2 – Você se considera famosa? Qual o preço da fama?

Sim! No meu caso, em particular, eu “sempre fui famosa”, mesmo antes de ser artista! Dizer o que “se pensa” por si só, traz pra vida da pessoa um “interesse extra” dos demais, porque a maioria das pessoas calcula melhor que eu o que vai dizer, para “evitar polêmica”. Eu fui professora de Educação Infantil, há 25 anos, nem sonhava com Dança, muito menos “do Ventre” e as pessoas, ao me conhecer, às vezes diziam “Ah! Você é a famosa Tia Jade?” e comentavam que tinham ouvido alguma coisa “polêmica” a meu respeito.

O preço? O que é que, nesta vida, não tem preço? Claro que tem! E é caro! Muito caro! Quando a menina está começando, “todo mundo” acha lindo, todo mundo dá uma força, quando esta menina se destaca das demais, esse “todo mundo” começa a minguar e quando o sucesso (e a fama) chega, esse todo mundo se divide em dois: uns amam e uns odeiam, proporcionalmente. O grupo “eu odeio” cresce junto com o “eu amo”!

Eu perdi casamentos, batizados, nascimentos, não vi as crianças da minha família crescerem, não fui às Formaturas, essa, pra mim, foi a maior perda! As pessoas que eu mais amo no mundo, em alguns momentos, não terem certeza disso porque eu estava “sei lá onde” dançando Dança do Ventre, essa é a perda pelo “trabalho”, mais que pela fama. Claro que prefiro crer que a fama seja consequência direta da minha competência mas, não sou “boba”, sei que boa parte das conversas que incluem meu nome começam com “A Jade disse…” e não com “A Jade dançou…”.

E, quando a fama me traz alguma consequência muito chata (tais fofocas infundadas envolvendo meu nome) eu digo “Pois é, eu e a passamos por esse tipo de problema!” porque humor ainda é a minha melhor arma pra lidar com meu Ego! Egos não tem o menor senso de humor! É um excelente antídoto!

Na Europa, inventaram que eu era uma “egípcia que finge ser brasileira porque soa mais sexy”. Eu acho uma delícia de fofoca! Me sinto o próprio Keith Richards! Acho graça, muito mais do que me envaideço, conto pros meus irmãos, rimos disso!

3- Você traz em sua dança um componente de sensualidade bem marcante. Como você desenvolve esse tema com suas alunas? Vc acredita que toda mulher é sensual ou é algo que pode ser aprendido?

“Toda mulher é sensual” é a mesma coisa de dizer que “Todo homem é viril”… Nada é possível de se generalizar, muito menos atributos que são facultativos, como a sensualidade, num país tão “afetado pelo excesso de sexo” como o nosso… Não, nem toda mulher é sensual, muito menos tem o desejo de sê-lo. Boa parte delas têm reações histéricas ao excesso de “pele à mostra”. Sobre sala de aula… Bom… daí, vem uma das vantagens da “Fama”: a pessoa que não tem interesse (ou que tem recalques) com relação à sensualidade estão na turma do “Eu odeio” e não vem à minha aula, sorte nossa (minha e delas!). Para as minhas alunas eu digo o seguinte: Uma mulher que tem a virilha cabeluda, comporta-se como tal, a mulher de mochila e tênis não se comporta da mesma forma quando está de longo e maquiagem, portanto, é sim, uma coisa que pode ser trabalhada, de fora pra dentro e de dentro pra fora ao mesmo tempo, contanto que seu desejo seja real. Até o presente momento, não me deparei com nada que “não se possa ensinar” mas, volto para a autenticidade, a mulher sensual pode criar uma personagem sensual sim, a mulher que não é sensual em si, não tem interesse nisso, que nega, que tem vergonha, não. Vai do ponto onde está, diretamente para o vulgar, o vulgar é a sensualidade forjada, de mentira, é pro outro. Sensualidade só pro lado de fora é quase pornô!

4 – Como você vê o mercado brasileiro da DV na atualidade? Se você tivesse o poder de mudar algo nesta realidade, o que mudaria?

Quando a Dança do Ventre passou a ser mais “técnica” e o papo (furado?) do “basta sentimento” esgarçou sua forma (porque a dança foi ficando mais “profissional” e midiática), aconteceram coisas muito loucas: algumas meninas desistiram (esse foi também o momento do nascimento desse “Mercado Atual”, rejeitado por algumas meninas da “Velha Guarda”) e algumas (muitas) das que ficaram começaram a trabalhar nos circunlóquios da Dança do Ventre. Primeiro, tivemos anos de Supervalorização do Folclore. Todo mundo “tinha que saber” gawazee, melleah, sumbot, núbio, etc, e a Dança Oriental (do Ventre, mesmo!) foi deixada de lado. O momento seguinte foi o da Fusão, belly samba, belly metal, belly funk, tango, afro e sabe-se Deus o que mais, Oriental… nada… depois, entramos na fase “quero ser bailarina clássica” e chegamos aqui, numa dança que está, na minha opinião, castrada e esquartejada… Braços e pernas que trabalham muito, separados do corpo e um quadril esquecido, que andava “ocupado demais com o tônus para que o arabesque funcionasse bem”.

Se eu pudesse mudar alguma coisa nesse mercado… Nem saberia por onde começar, mas mudaria o critério das Avaliações, priorizando duas coisas apenas: Estilo Árabe e técnica Oriental. Acredito que a bailarina possa colocar o que bem entende na Dança, contanto que não tire algumas coisas e, pra mim, Dança do Ventre sem Quadril é jazz… É bonito? Pelo sucesso que faz, muita gente deve achar bonito, né? Mas… não é Do Ventre, para ser Do Ventre, tem que ter oitos, ondulações, shimmies… o de sempre, aquelas coisas difíceis de tão simples, das quais tentamos desistir nos últimos anos.

Tem uma coisa bizarra que acontece no mercado nesse momento que é falar de “Estilo Egípcio” como se fosse uma coisa desvinculada da Dança do Ventre! Imagine uma pessoa que dá aula de Samba “estilo Brasileiro” ou, ainda pior, uma moça que faz aula de samba mas diz que “prefere o estilo tibetano” (peguei o Tibet por pegar, pra evitar saias justas mais do que as que já lotam meu armário filosófico!). A Dança do Ventre está para o Egito como o samba está para o Brasil! Agora, se uma pessoa me diz que é “Professora de Samba” e não quer saber e tem raiva de quem sabe sobre Cultura brasileira… Na minha opinião, será “na trave”, será quase samba, será samba tibetano e, samba tibetano não é samba. É nisso que acredito, é onde invisto meu tempo e dinheiro, é a verdade do meu trabalho. Eu já estava aqui quando “tinha que arrasar no folclore” ou na fusão e não fui à parte alguma, seria, exatamente, por isso que fiquei tão famosa nos últimos anos? Arrisco dizer que pode ser!

5 – Além de dançar, você também trabalha com pintura, escultura, poesia… Qual o papel de outras expressões artísticas para a bailarina?

A expressão artística é uma coisa de ser “Artista”. A diferença da artista pra não artista é que a primeira é bailarina e a segunda é uma pessoa que dança. Para mim, uma só forma de arte nunca foi suficiente, porque eu “sinto demais”, então eu preciso compor coisas “fora do espelho” e, minha experiência nas outras artes coloca meu pé no chão, me coloca em lugares onde sou “anônima”, onde estou numa posição mais passiva, aprendo sobre ensinar e aprender, aprendo a criar, trabalho meus sentimentos, expresso as coisas que a Dança não dá conta de expressar e uso tudo isso em sala de aula (sim! esculpimos, pintamos, desenhamos, cantamos E dançamos). Eu ainda não tive tempo de expor nada, minhas “Obras” são, por enquanto “só minhas”, tem essa coisa gostosa de “criar pela criação”, um espaço que eu não tenho na Dança do Ventre, tem uma “Equipe” que trabalha comigo, meus professores e orientadores, que alimentam a professora e aluna que há em mim, que me dão assunto porque, se “aula de dança do ventre” ensinasse alguém a dançar, nossa vida seria muito mais fácil! Aula de Dança ensina PASSOS, a dançar, aprendemos com a vida, com os nossos amores, com as nossas verdades, com as coisas que vimos, que sonhamos, que lemos e, claro, sob orientação de nossas deliciosas professoras!

6 – Uma das muitas viagens internacionais que você fez, rendeu um livro ainda a ser lançado. Você poderia falar um pouco sobre isso?

O livro! O tal do livro! Tem gente que acha que “já foi”, tem gente que acha até que “já leu” (juro!) mas o livro ainda não foi lançado. Está aguardando uma Editora.

Foi escrito no Cairo, entre janeiro e abril de 2011, no auge da “Primavera Árabe”, durante a queda do Presidente Osni Mobarak, no poder havia mais de 30 anos. O livro não é, exatamente, sobre “Política” (a propósito, eu não teria condições de escrever Análises Políticas do Oriente Médio!), mas este quadro é o Cenário dos acontecimentos que narro no livro. Conto minhas aventuras num País de pernas para o ar e o que é possível se ver e fazer estando naquela situação.

Passei apuros (quase prisão, quase deportação, quase fome) e, depois, sobrevivendo a tudo isso, me encontrei num estado de profunda celebração da vida, que era a coisa mais “urgente a se manter” naquele momento. Conheci um novo Cairo, um novo Brasil e, principalmente, uma “Nova Jade” neste processo e fui registrando tudo. É uma coletânea de contos e crônicas, contando as histórias que iam rolando, vista pelos meus olhos.

Acabou sendo, também, um livro muito didático, já que tive que explicar inúmeras peculiaridades da Cultura Local, onde situaram-se as histórias e expressões que, não sendo em árabe se esvaziam de sentido. Os personagens (todos reais, à exceção de um único conto que é fictício), foram revisitados em 2012, quando retornei ao Cairo e pude ver o que aquele momento histórico havia transformado em suas vidas.

A narrativa? Minha, em primeira pessoa, sem muitas correções, do meu jeito: com muita paixão, sinceridade e humor, que são características que permeiam todas as formas de Arte com as quais me envolvi no decorrer da vida. Coisas, sem as quais, talvez eu fosse muito mais famosa, talvez não atraísse nenhum ódio, entretanto, não seria eu.

7 – Você gosta de ser famosa?

Sim! Gosto, sim! A maior parte do tempo é muito bom, receber tanto amor das pessoas, algumas que sequer me viram dançar, mas “conhecem minha fama”, traz respeito por parte dos colegas, me coloca em Hotéis 5 Estrelas, põe frutas no meu camarim, são muito mais vantagens do que desvantagens.

Graças a Deus, eu consegui construir uma relação muito saudável com a minha personagem e ela só anda comigo quando tenho que trabalhar. O restante do tempo, passo, em maioria, ao lado das pessoas que me conhecem muito antes da fama ou, ainda, as que, como eu, lidam com bom humor com tudo isso. Ainda sou a mesma menina de periferia, que vive grudada na família e dorme agarrada num bicho de pano. Esta sou eu, quando este “Momento El Jabel” passar, serei, ainda a mesma Jade de sempre! A “Brasileira Balady” que sempre fui!